São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Israel não cumpre o acordo, afirma assessor de Arafat

DAVID COHEN
DO ENVIADO ESPECIAL A ISRAEL

O processo de paz Israel-palestinos estancou, diz Ahmed Tibi, assessor especial de Iasser Arafat para as conversações de paz e assuntos israelenses. Segundo ele, Israel não quer cumprir parte do acordo, especialmente a redistribuição de tropas da Cisjordânia.
Tibi diz que o nível de vida dos palestinos não melhorou desde o acordo de paz. E, se persistir o impasse no diálogo, a Intifada (revolta nos territórios ocupados) pode ser retomada.
Tibi, 37, é um árabe com cidadania israelense. Formou-se em medicina pela Universidade Hebraica e trabalha como ginecologista na parte leste de Jerusalém. É o médico particular de Suha, mulher de Arafat, e foi ele quem deu ao líder palestino a notícia de que teria um filho.
Tibi é ainda observador do diálogo entre a Fatah (principal grupo da OLP) e a organização fundamentalista Hamas, estabelecido depois do confronto de 18 de novembro, que deixou 13 mortos.
O assessor de Arafat pensa em concorrer ao Parlamento israelense em 1996. Sua eleição criaria a situação sui generis de um conselheiro do líder palestino com poder de voto no Parlamento israelense. "Gosto dessas situações de singularidade", disse Tibi, na entrevista concedida à Folha.
Folha - Como está indo o processo de paz?
Ahmed Tibi - Não muito bem. Começamos bem, o acordo foi aceito e assinado pelos dois lados, mas nas últimas semanas o governo israelense está se comportando como se não quisesse respeitar a segunda parte do acordo interino.
Especialmente, Israel não quer redistribuir suas tropas estacionadas na Cisjordânia, como manda o artigo 13 da Declaração de Princípios. Lá está escrito que as tropas têm que ser deslocadas antes das eleições (para a autoridade palestina nos territórios ocupados). E as eleições deveriam ter sido em julho passado.
Folha - Israel diz que é por motivos de segurança.
Tibi - Sabe, você pode sempre dar a desculpa da segurança. Eu acho que eles estão hesitando em respeitar a totalidade do acordo. Se os palestinos dissessem este artigo nós não queremos, porque não nos sentimos bem com ele, seria um estardalhaço. Mas, quando os israelenses dizem isso, parece que todo mundo justifica.
Folha - Não há hipótese de eleições sem retirada israelense?
Tibi - É inaceitável. As tropas têm que sair das cidades, campos e aldeias, como diz o acordo.
Folha - É esse o principal risco ao acordo de paz agora?
Tibi - Sim, esse é o maior risco. O segundo maior risco são os grupos que estão agindo contra o processo de paz, dos dois lados. Mas o maior risco é a vontade israelense de não cumprir o acordo.
Folha - O sr. diz que os israelenses têm a intenção deliberada de não cumprir o acordo?
Tibi - Eles dizem isso publicamente. O premiê de Israel, Yitzhak Rabin, disse a Arafat em Oslo (após o recebimento do Prêmio Nobel da paz): Faça eleições sem retirada de tropas da Cisjordânia.
Folha - É um beco sem saída ou o impasse vai ser resolvido?
Tibi - Eu sou um otimista realista. Espero que isso seja resolvido. Mas por enquanto temos um problema, um grande problema.
Folha - Quanto tempo o sr. acredita que vai levar para a implementação do acordo?
Tibi - Acredito que o Estado palestino será constituído em menos de cinco anos.
Folha - A vida melhorou para os palestinos desde o acordo?
Tibi - Não há uma melhora óbvia no nível de vida do ponto de vista econômico. Há até mesmo deterioração, porque a ajuda dos países doadores não chegou.
Folha - Os países europeus dizem que Arafat não respeita exigências do Banco Mundial...
Tibi - Todas as exigências deles foram respondidas positivamente. Nós estamos prontos para transparência, para contabilidade. Mas eles estão querendo ditar a política econômica da Autoridade Nacional. Isto é totalmente inaceitável.
Folha - É verdade que Arafat está perdendo popularidade?
Tibi - Sempre que há miséria e pobreza, e a presença contínua do ocupante, é natural que a oposição ganhe peso. As pessoas querem ver progressos. Não há progressos visíveis, além do fato de que se formou a Autoridade Nacional Palestina. Mas Arafat ainda é o mais popular líder dos palestinos.
Folha - Há perigo de algum radical do Hamas tentar assassinar Arafat?
Tibi - Não acredito. Eles o aceitam como o líder do povo palestino, mesmo se discordam dele politicamente.
Folha - Há algum tipo de diálogo com o Hamas?
Tibi - Foi criado um comitê de trabalho conjunto entre o Hamas e a Fatah, com três membros de cada lado e dois observadores. Eu sou observador pelos palestinos dentro de Israel.
Folha - O que se conseguiu com o comitê até agora?
Tibi - Tranquilidade em Gaza, depois do conflito da mesquita. E estamos discutindo o relacionamento entre o Hamas e a Autoridade Nacional.
Folha - Eles vão participar das eleições?
Tibi - A decisão é deles. Alguns membros do Hamas já foram incorporados ao sistema, apontados para pertencer à Autoridade.
Folha - Pode haver recuo no processo de paz se o Likud ganhar as eleições em Israel?
Tibi - Seria um desastre. Eu não acho que eles iriam cancelar o acordo, mas esvaziariam de significado cada um de seus artigos.
Folha - A geração da Intifada mudou? Qual é o sentimento hoje dos jovens e crianças que até um ano atrás jogavam pedras nos israelenses?
Tibi - Na Cisjordânia, eles têm os mesmos sentimentos. Porque a ocupação está lá. Em Gaza, a maior parte das tropas se foi, mas eles estão muito nervosos porque os assentamentos ficaram. Se a situação continuar ruim, a Intifada pode voltar.
Folha - Como ginecologista, o sr. vai acompanhar a gravidez de Suha, mulher de Arafat?
Tibi - Eu sou o médico particular dela. Fui eu quem disse a Arafat que ele ia ser pai.
Folha - Como ele recebeu a notícia?
Tibi - Eu telefonei para ele daqui. Ele disse: Obrigado, obrigado. Obrigado.

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