São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Era da imagem festeja centenário

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

A festa está começando. Em 1995, o cinema celebra seus primeiros cem anos. Para alguns, a 19 de março, que foi quando os irmãos Lumière fizeram as primeiras tomadas da saída dos operários de uma fábrica, em Lyon. A data oficial, porém, é 28 de dezembro, dia da primeira exibição pública do cinematógrafo, em Paris.
Dando início às comemorações, o jornal francês "Le Monde" encomendou um texto reflexivo a dez figuras internacionais ligadas ao cinema. Woody Allen, Jean-Luc Godard e Nagisa Oshima falaram de cátedra, Philippe Sollers e Paul Virilio pelos "outsiders" e Jorge Semprun pelos anfíbios. Esses depoimentos, junto aos do compositor Pierre Henry e do psiquiatra Edouard Zarafian, estão neste caderno especial.
Cada um escolheu, por conta própria, o seu próprio tema. Woody Allen privilegiou a vocação inata do cinema para nos afastar da realidade, que, aliás, segundo ele, todos nós detestamos. Mas é justamente dessa trégua com o mundo real, conclui, que "conseguimos reunir forças suficientes para enfrentar o que resta do dia". Godard, como é do seu feitio, lançou uma provocação: "Cinema não é uma arte nem uma técnica". O que é, afinal? Nem ele já chegou a uma conclusão.
Citando Hitchcock, Paul Virilio pragmatiza a questão: "Cinema é, antes de tudo, cadeiras com espectadores sentados". Passivamente. Submissos à manipulação dos ditadores das imagens. "As grandes telas do cinema industrial foram durante muito tempo as telas de controle da dinâmica das massas, o instrumento sonhado por todos os totalitarismos."
Mudou? Quando? Quando a televisão impôs o seu próprio totalitarismo, estima Jorge Semprun, deixando o espectador cinematográfico livre para tornar-se algo próximo ao leitor de um livro, independente em suas escolhas, solitário, adulto.

"Magnun Cinéma"
Houve um tempo em que o cinema parecia ser menos adulto e era mais –bem mais– glamouroso. Havia, então, mais estrelas nas telas que no céu. Sentados em suas cadeiras, os espectadores apenas sonhavam. Hollywood era a nossa Babilônia e aos seus domínios acorreram os melhores fotógrafos do planeta. Vários deles trabalhavam para a agência Magnum, fundada em Paris há 47 anos por Henri Cartier-Bresson, Robert Capa e George Rodger. O que eles fotografaram daria vários livros, mas, por enquanto, só um foi lançado: "Magnum Cinéma".
Com 360 páginas e 480 fotos, é um álbum de luxo organizado pelo crítico da revista "Cahiers du Cinéma" Alain Bergala, cuja versão brasileira, impressa na Itália e rigorosamente fiel à original, chega amanhã às livrarias bancada pela Nova Fronteira. São dele a maioria das fotos que ilustra o caderno.
Em suas páginas, duas histórias cruzadas: a dos últimos 50 anos do cinema (ou quase isto) e a da confraria Magnum, representada por quase 60 profissionais, das mais diversas nacionalidades, inclusive o brasileiro Miguel do Rio Branco. Com estreitas amizades no "show business" internacional, os caçadores de imagens da Magnum só tiveram dificuldades para furar o bloqueio dos grandes estúdios de Hollywood, que mantinham nos sets de filmagem os seus próprios fotógrafos. Dedicaram-se, assim, às produções independentes, que, por seu turno, se beneficiaram não só de um trabalho de superlativa qualidade, mas também do acesso quase automático que as fotos da agência tinham às publicações mais badaladas do mundo, como "Life", "Look"'e "Paris Match".
Vários nomes se destacam: Ernst Haas (que, entre outras proezas memoráveis, acompanhou as filmagens de "O Terceiro Homem" e "Milagre em Milão"), Eve Arnold (que se tornou íntima de vários astros do cinema americano e já acompanhava Paul Newman quando este ainda estudava no Actor's Studio), Dennis Stock (autor das melhores fotos de James Dean), Nikolas Tikhomiroff (que não largava Orson Welles), Philippe Halsman (famoso por ter feito Marilyn Monroe, Audrey Hepburn, Brigitte Bardot e Grace Kelly pularem para a sua câmera), Elliott Erwitt (que acompanhou toda a odisséia de "O Pecado Mora ao Lado", "Sindicato de Ladrões" e "O Homem Errado").
Acima de todos, os mestres-fundadores. Pouca gente talvez saiba que Capa e Cartier-Bresson se entregaram de corpo e alma ao cinema. Desiludidos ambos com a fotografia, logo após a guerra civil espanhola, decidiram trocar o real pelo imaginário e a imagem fixa pelas imagens em movimento. Cartier-Bresson chegou a ser assistente e, por uma vez, ator de Jean Renoir. Capa, célebre por cobrir guerras e conflitos afins, não fez por menos: iniciou um caso com Ingrid Bergman em Paris e se estabeleceu em Hollywood, em cujo ambiente luxuoso e sofisticado se refez das desgraças do mundo. Nove entre dez estrelas o bajulavam. John Huston e Humphrey Bogart o queriam sempre por perto. Sua tumultuada amizade com Hemingway quase virou filme, dirigido por Howard Hawks.
Bons tempos aqueles, quando o cinema de fato, mais que da Magnum, era magno.

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