São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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A piracema fracassada

DJALMA WEFFORT

Toneladas de peixes nobres não estão conseguindo subir o rio Paraná em virtude das obras da hidrelétrica de Porto Primavera. Nessa época do ano, a subida do rio é de vital importância para a reprodução de espécies como o dourado, o pintado e o barbado.
Os ambientalistas estão propondo à Cesp (Companhia Energética de São Paulo), responsável pela construção da usina, a implantação de elevador ou escada de peixes, bem como a adoção de programas de reflorestamento ciliar e repovoamento da fauna aquática.
A não-construção de dispositivo para transposição de peixes e a promessa de que faria a obra quando os problemas surgiram, em 93, revelam não só a falta de seriedade da direção da empresa com relação à proteção do meio ambiente mas sobretudo a sua incapacidade em dialogar com a sociedade.
Quando estiver totalmente concluída, a um custo estimado de US$ 7 bilhões, Porto Primavera formará um dos maiores reservatórios do país, destruindo importantes ecossistemas entre São Paulo e Mato Grosso do Sul.
A primeira vítima será a reserva Lagoa São Paulo, a única unidade de conservação do governo do Estado às margens do rio Paraná, protegida exatamente por reunir ali as condições ideais para a reprodução de espécies nobres do rio, além de ser local de pouso, alimentação, reprodução e migratório de aves.
No lado mato-grossense, somem planícies inundáveis, chamadas "pantaninhos" pela semelhança que têm com cheias e vazantes. A mata ciliar dos tributários, como Taquaruçu, Verde, Pardo e Quiterói, será duramente afetada.
Espécies ameaçadas de extinção, como o mico-leão-preto, jacaré-do-papo-amarelo, cervo-do-pantanal e onça-preta, ainda encontradas na região, estão em grave perigo. Nesse trecho da Mata Atlântica, é provável que espécies da fauna e flor já tenham desaparecido sem terem sido estudadas.
Está certo o secretário de Energia, David Zylbersztjan, quando diz à Folha que o setor energético "é suscetível de ser alvo de páginas policiais". Além de rever "contratos duvidosos", a que se refere, terá de adotar medidas ambientais profundas e urgentes em Porto Primavera.
Enquanto isso, assistimos ao triste espetáculo, com duração de 90 dias, o tempo médio da piracema, em que quantidades enormes de peixes, alguns com mais de 70 kg, vão dia e noite debatendo-se contra a força das águas dos vertedouros da barragem, chocando-se contra um imenso paredão de concreto que secciona o Paranazão, ao final do que, estressados e machucados, perderão inevitavelmente a desova. O que vale dizer, a luta pela própria sobrevivência.

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