São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Nine Inch Nails produz tortura eletrônica

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Nine Inch Nails gosta de evocar dor, violência e matança. "Dor é a única coisa real", canta Trent Reznor na música "Hurt". Os dois discos que ele lançou pela Interscope (subsidiária da Warner), "Broken" (1993) e "The Downward Spiral" (1994), são sessões de tortura para computador e guitarra.
Ao menos uma trilha brutal, o perturbado artista que se esconde por trás do nome Nine Inch Nails já compôs: "Assassinos por Natureza", de Oliver Stone.
A obsessão pela violência fez com que "The Downward Spiral" tivesse sua gravação assombrada pelos fluidos da casa em que a atriz Sharon Tate foi assassinada, de maneira brutal, pela seita comandada por Charles Manson, no final sangrento da década da paz e do amor. Reznor alugou e montou um estúdio na casa.
As referências ao assassinato sangram no disco. Reznor canta a palavra "pigs", que Manson pichou em vermelho-hemoglobina nas paredes da casa, de forma conceitual.
"The Downward Spiral" é uma declaração de prazer sadomasoquista.
O álbum começa com chicotadas eletrônicas e gemidos de dor. As chicotadas viram uma metralhadora digital, marcando o festival de vozes arfantes e gritos, que Reznor explora sem sentimentos de culpa.
Ele diz querer penetrar o ouvinte como um animal. Com uma banda chamada "Pregos de Nove Polegadas", a penetração tende a doer horrores. Mas Reznor lambe as feridas de um jeito sedutor. Soterradas pela programação de teclados e distorções, aparecem cristalinas baladas com violão e piano de sonata, conferindo um frescor de oásis às profundezas do inferno.
O disco não soa como nada já gravado. Coisa rara numa década que começou marcada pela reciclagem. Há sinais evidentes (de Prince, Pink Floyd, Depeche Mode, Elton John, Brian Eno, Nirvana, Test Department, Unsane, The Who, Cabaret Voltaire, Frank Zappa, Ministry, The Prodigy e o álbum branco dos Beatles, que inspirou a matança de Sharon Tate), mas nada é puro.
Em "The Downward Spiral", Reznor amadureceu um estilo muito diferente de seu passo inicial, o álbum quase pop "Pretty Hate Machine" (1989). Ele passeia pelo techno, pelo metal, pelo pop e pelo industrial, mas de uma maneira mais elaborada do que a fórmula de bater cabeças do Ministry. Na verdade, trata-se do único disco original de 1994.
O EP (de oito músicas) "Broken" já apontava o caminho tortuoso, combinando um hit para a geração MTV, "Wish", com uma sessão de torturas chamada "Happiness in Slavery", famosa pelo clipe que nenhuma TV do mundo tem coragem de passar –inspirado no conto "A Colônia Penal", de Kafka, sobre máquinas de tortura.
"Broken" traz um título mais sugestivo, matérico (de arte matérica), no sentido de aludir ao corpo. Um corpo quebrado, depois de um tratamento à base de brocas agudas e marteladas eletrônicas.
Mesmo assim, o EP, que foi gravado em segredo durante dois anos, enquanto Reznor brigava com sua antiga gravadora independente para assinar com a Interscope, não prepara o ouvinte para a experiência de abrir o álbum "The Donward Inspiral".
Reznor cruzou uma fronteira da qual poucos retornaram com a sanidade intacta.

Discos: The Donward Spiral e Broken
Banda: Nine Inch Nails
Gravadora: Warner
Preço: R$ 18 (o CD em média)

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