São Paulo, segunda-feira, 9 de janeiro de 1995
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Tragédia e absolvição

MÁRIO CHAMIE

A tragédia grega da família Collor desenrolou-se de forma singular. O seu primeiro efeito culminou com o impeachment de Collor e a cassação por oito anos dos seus direitos políticos. Tudo começou com a decifração da esfinge familiar.
O irmão Pedro, movido talvez pelo desamparo do desprestígio ou por ressentimento, ficou à margem dos favorecimentos obtidos pela grei alagoana instalada no poder, em Brasília. Se Pedro não ficou totalmente de fora, também não ficou o suficiente por dentro desses favorecimentos. Fernando alcançou o posto máximo da República. PC Farias e amigos beneficiaram-se das riquezas.
Pedro, à margem, veio à cena para provocar provações do destino e demonstrar que a exclusão fraterna da grei do poder é, moralmente, fratricida. Pedro entrou de cabeça naquilo que, na tragédia grega, traz o nome de "hybris" (desmesura), ou seja, a ação que excede os limites de uma situação dada. Entrou de cabeça, pois queria ver cortadas as múltiplas cabeças da hidra que o excluía.
Aí, a tragédia tomou o seu curso. Familiares de Pedro levantaram suspeitas sobre seus problemas mentais. O irmão denunciador reagiu, obtendo laudos médicos comprobatórios de sua sanidade. Acontece que o transcurso da história ignora laudos médicos e não deixa nenhum protagonista impune.
Nessa tragédia, os punidos e atingidos são algozes e vítimas, num ajuste de contas em que a mão da fatalidade se abate sobre todos, acima dos tribunais e de suas sentenças jurídicas.
Assim, se a lei inocenta ou culpa, a fatalidade, por sua vez, não distingue agentes passivos ou ativos da mesma trama, seja por coincidência ou por vingança dos deuses. Sabemos que Édipo (sem o saber) mata o pai, casa-se com a mãe e cega-se a si mesmo, em autopunição.
No caso de nossa tragédia doméstico-nacional, a hidra de cabeças cortadas transformou-se em polvo cujos múltiplos braços envolveram julgadores e julgados, numa dizimação coletiva. Por isso, a absolvição jurídica de Collor pelo STF é, apenas, uma face de sua condenação política. A absolvição entra para o espaço cênico em que todos os envolvidos na tragédia foram alcançados pelo que os gregos clássicos chamavam de "moira" ou a sanção implacável da fatalidade.
Alguns nomes dos envolvidos não deixam dúvidas. São eles: Ulysses Guimarães, a mãe de Leda Collor, dona Elma (falecida mulher de PC), Ibsen Pinheiro, os anões do Orçamento e, sobretudo, Pedro, que, dilacerado entre a hidra e o polvo do destino, foi vítima de tumores letais na cabeça.

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