São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 1995
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FHC, o filme

HÉLIO SCHWARTSMAN

É óbvio que uma semana é muito pouco tempo para esboçar uma avaliação do governo FHC. Seria tão precipitado como tentar julgar um filme de 180 minutos pelos primeiros 60 segundos, ou seja, antes mesmo de que todos os créditos tenham sido exibidos.
Ainda assim, pretendo cometer essa heresia porque, como profissional de imprensa, é para isso que sou pago. De resto, o jornalismo é uma profissão tão honrada quanto qualquer outra, incluindo médicos, advogados, lixeiros, taxistas, operários, sociólogos e políticos (viu dona Ruth!).
Voltando a nosso filme, deve-se dizer que um espectador, quando entra no cinema, já vai aliás "poluído" por certas expectativas ditadas por elementos como o histórico do diretor, o elenco e críticas que tenha lido ou ouvido. FHC, o filme, é um daqueles que a gente torce para que seja bom, mas já leva ao cinema mais uma pulga, atrás da orelha.
O diretor é inteligente, não resta dúvida, mas o elenco... Entre os poucos bons atores há alguns passíveis de crises de estrelismo que podem tentar roubar a cena dos demais. Mas, pior ainda, talvez por exigência dos produtores e proprietários do estúdio (leia-se pefelê "et alii"), não faltam canastrões, nível Victor Mature, ou coisa ainda pior.
São mais ou menos esses os pensamentos que me ocorrem enquanto observo as primeiras cenas do novo governo, ainda encobertas pelo desenrolar dos créditos.
Posso dizer que, em meio à sucessão de letras garrafais que vem obnubilando a visão das imagens do filme, há uma cena de que não gostei. Fernando Henrique sancionou, na semana passada, a leia de biossegurança, aliás, um projeto de seu primeiro-assistente, Marco Maciel.
O diploma tem o correto espírito de tentar regulamentar a engenharia genética, ramo da ciência que, no futuro, será capaz tanto de criar frankensteins que poderão assombrar a humanidade, como também de curar muitas das doenças que hoje a afligem.
Mas de boas intenções o inferno está repleto. Não sou biólogo e tenho que puxar pela memória dos tempos de colegial para recordar a diferença entre uma mitocôndria e uma espermatogônia. Ainda lembro bastante para qualificar a canetada de FHC de "defecatio maxima" (este espaço é nobre demais para que nele se escrevam palavras de baixo calão, como em latim tudo é elevado...).
Provavelmente por falta de conhecimento, memória ou diálogo dos parlamentares e de FHC, a lei sancionada consegue a um só tempo, proibir no Brasil a principal aplicação da terapia genética no estado em que se encontra (usada contra alguns tipos de câncer), dificultar a vida dos casais que desejem um bebê de proveta (coisa que só o Papa condena) e não criar nenhum mecanismo efetivo contra abusos no campo da engenharia genética.
"Cinema de autor" é uma balela. Só existem bons filmes quando existe uma boa equipe por trás e, no mais das vezes, quando o diretor consegue dobrar os "donos" do estúdio. No Brasil, que não tem Metro, mas rede Globo, este é especialmente o caso.

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