São Paulo, sábado, 14 de janeiro de 1995
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Os verdadeiros culpados

JÂNIO DE FREITAS

JANIO DE FREITAS

Seja pela ira mal dirigida de uns ou pela ansiedade de exibicionismo de outros ministros, uma face do governo Fernando Henrique está lembrando muito o início do governo Collor: é a irracionalidade algo furiosa que se despeja sobre o funcionário público em geral, como se aí, e não nos próprios governantes –incluídos muitos dos atuais–, estivesse a causa de todos os males brasileiros.
Nos dez primeiros dias de governo, o secretário de Administração, Bresser Pereira, já havia sentenciado que a estabilidade dos funcionários tem que acabar. A isonomia que deveria dar-lhes tratamentos equivalentes tem que ser apagada da Constituição e os funcionários não-estáveis devem ser demitidos logo.
Façamos uma pequena comparação para avaliar a fúria bresseriana. A maioria dos funcionários públicos é relapsa, carente da noção de serviço público, incompetente também? Não há levantamento que permita afirmar ou negar a condenação, mas admitamos que a maioria seja assim. E o que dizer, então, dos políticos e governantes a respeito da sua omissão, privilégios, falta de espírito público, excesso de malandragem, mordomias e corrupção? E, no entanto, quem conduz o país não são os funcionários públicos, são os políticos e seus economistas.
Há funcionários "em excesso", é o que dizem os novos poderosos, com poucas exceções. Não foi esta, porém, a surpresa a que chegou o grupo de elaboradores do programa apresentado pelo candidato Fernando Henrique. Sua conclusão foi de que os 600 mil funcionários civis estão mal distribuídos, e são necessárias admissões para dotar o Estado de eficiência funcional. Ainda assim, digamos que haja excesso.
Nenhum funcionário se autonomeou. Todos foram nomeados por políticos. Grande massa de funcionários nem trabalha, é verdade. São os que têm a proteção de políticos. Mas não os políticos do PSDB, agora no governo, dirá um tucano apressado. E esquecido, na pressa, de que o PSDB de hoje era PMDB no governo Sarney e, como tal, foi conivente, por integrar o governo e por sua ação no Congresso, com os festivais de nomeações, com a corrupção, com a impunidade, com os privilégios.
Por que o furor contra os funcionários em geral, e não a racionalidade e o bom senso para identificar com segurança onde conviriam demissões e onde a estabilidade é essencial, dada a natureza do trabalho? Atrevo-me a dizer que, se esta geringonça chamada Brasil ainda guarda ares de nação, deve-se a técnicos-funcionários e a funcionários burocratas. A inflação, o déficit público, os maus acordos da dívida externa, as catástrofes sucessivas dos planos econômicos, a "década perdida", tudo isso é obra dos políticos e dos economistas por eles metidos nos governos.
Também cavaleiro do furor, o ministro do Planejamento, José Serra, comete dois desrespeitos ao sentenciar que a correção dos vencimentos do funcionalismo está adiada e sem data prevista. Desrespeita cada funcionário, como pessoa e como trabalhador, e desrespeita a lei. E não se satisfaz por aí: alega que está amparado pelo art. 169 da Constituição, segundo o qual "qualquer aumento de remuneração" só pode ser feito "se houver prévia dotação orçamentária suficiente".
Vê-se que o ministro leu a Constituição. E, portanto, leu também que a vigência do artigo citado depende da aprovação de lei complementar. Ora, segundo a tese encampada por José Serra desde 88, o limite de 12% anuais para as taxas de juros não poderia ser aplicado, e não foi, porque o artigo que o fixa na Constituição exige, também, uma lei complementar não votada até hoje. Logo, o 169 em que ele se ampara não está em vigor, pelo mesmo motivo. Como ele sabe muito bem.
A haver algum rancor, devia estar nos cento e tal milhões que, do meio da classe média para baixo, têm pago pelo que são os políticos e, sobretudo, pela alternância de incompetência e charlatanice de tantos economistas que têm passado pelo governo.

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