São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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Comercias apelam ao imaginário das praias

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde tempos imemoráveis, a família reunida à mesa bem servida pela mãe é motivo clássico de comerciais de margarina, temperos e domésticos diversos.
A fórmula tem se adaptado ao tempo. Mantidas situações e enquadramentos básicos, ela se mostrou permeável a diálogos que expressam mudanças nos costumes. Mas, neste verão, a família reunida perdeu até mesmo o espaço do comercial. Nas férias a publicidade apela à descontração de praias limpas e livres.
"Tempo de sol e mar", o verão estimula imagens quase universais de praia, calor, areia, juventude. Nesse cenário convencional pessoas se divertem muito sozinhas, ou casualmente juntas.
Parte da felicidade parece ter a ver com um desprendimento dos laços e espaços familiares. Nesta época do ano, imagens da mãe e da filha juntas, à espera do pai na mesa da cozinha, tal como na propaganda da salsicha Seara, são raras. Os intervalos da programação televisiva estão saturados pela exibição de corpos isolados, seminus e queimados de sol.
Não sei se o arroz com feijão do Pão de Açúcar ganha alguma coisa por aparecer emoldurado por areia e ondas do mar. Repetindo a estrutura usual das propagandas de supermercados e lojas de departamento, um locutor em off anuncia as ofertas especiais dos produtos fotografados no centro do quadro, acompanhados de uma legenda que salienta seus preços.
Em uma solução óbvia e oportunista, o filme parece uma simples colagem de imagens, acrescentando uma sequência de praia à mercadoria de todo dia.
"Verão, gostoso como a vida deve ser" anuncia o cachorrinho bassê nos mares da propaganda do MacDonalds. Aqui desfila a felicidade de todas as gerações. Os membros da família aparecem isoladamente e felizes, em uma série de situações distintas.
A avó e o avô, cada um por seu turno, pescam no entardecer de bucólicas areias desertas. O pai e a filha adolescente se divertem na lanchonete. Sorvete e hambúrguer recheiam a vida de meninos e meninas. Afinal, deve ser possível se sentir na praia sem sair da cidade.
Ao que parece convencionou-se que, para anunciar qualquer coisa em janeiro, é necessário aludir de alguma forma aos lendários prazeres tropicais –nem que seja recorrendo ao contraste do fundo preto como no comercial da Baigon, ou ao boneco de pau que se bronzeia na praia do verniz Solguard. Até a serrana e planejada Curitiba participa da moda praieira vendendo esteiras e chapéus de palha pelo reembolso postal.
A televisão comemora o verão salientando suas possibilidades de diluir limites entre papéis. O comercial do MacDonalds é o mesmo nos horários para crianças, senhoras e senhores. Do mesmo jeito que a Xuxa serve aos "baixinhos" no horário matutino, mas também aos mais maduros na sessão noturna.
Na falta de assunto e de negócios do mês de férias, além do excesso de reprises na programação, somos expostos a uma sequência indiscriminada de praias lotadas de bronzeador e fio dental, que já adiantam um certo ar carnavalesco.

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