São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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"As loucuras de economistas oficiais"

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Há paranóicos no governo que acreditam que dois mais dois são cinco. Já os neuróticos sabem que dois mais dois são quatro, mas detestam a idéia".
Anônimo

O calor do verão parece que está cozinhando miolos não só de banhistas, mas também de alguns economistas oficiais. Não deixa de ser divertido ler os exageros verbais e os requebros de lógica que a imprensa vem reportando desde a crise do México.
Vamos registrar algumas dessas "pérolas".
Advertido pelo deputado Delfim Netto, que diante de uma crise cambial as reservas externas poderiam se esvair rapidamente por serem a contrapartida de fluxos voláteis de capital, um oficial do Banco Central esperneou: "declarações alucinadas". Reservas são reservas; o Brasil não é o México!
Na sequência, o correto e educado ministro Pedro Malan, foi levado a declarar perante o Senado Federal que só US$ 15 bilhões das reservas seriam passíveis de crise especulativa. O raciocínio que se sugere é que apenas este montante, que se estima ser o valor do capital estrangeiro na Bolsa, seria repatriável.
Aqui entramos no raciocínio errado. Se houver expectativa de que a taxa de câmbio pode sofrer desvalorização súbita, todos os que têm acesso à liquidez correrão par o dólar. Essa, aliás, é uma observação que todos os analistas do México podem contar.
O capital que saiu correndo na frente na crise mexicana foi o de aplicadores nacionais (aqueles que ficaram sabendo antes que as reservas estavam baixas). O capital de investidores estrangeiros institucionais ficou parado no começo. Qualquer economista de banco estrangeiro pode confirmar isso.
O que ocorreu lá foi algo que se conheceu bem no Brasil entre 1964 a 1968 quando as correções cambiais eram grandes, mas em intervalos espaçados. Quando fica claro que uma taxa cambial é insustentável, a corrida para o dólar é inevitável.
Não se tire a ilação que esta coluna esteja sugerindo que podemos ter uma crise cambial iminente no Brasil. Por enquanto, como as reservas ainda estão altas, esse perigo não existe.
Na mesma linha das "pérolas" verbais estão afirmações de que quem aponta os riscos da crise do México ou a necessidade de correção na taxa de câmbio são "inimigos da estabilização". Só não dá para dizer que isso é coisa de comunista porque a lista inclui do Deputado Delfim Netto a ex-acessora de outros governos.
Parte da equipe econômica e amigos acreditam que a inflação atual está baixa (correto) sem artificialismos (errado). Pelo menos duas das variáveis-chave da economia, taxa de câmbio e taxa de juros real, estão em níveis artificiais.
A taxa de câmbio real, quer se desconte a inflação dos preços no atacado ou dos preços ao consumidor, já acumula defasagem significativa em relação ao início de 1993. O saldo comercial irá sinalizar isso.
Quanto às taxas de juros real, elas estão "uma loucura". O gráfico do texto mostra o rendimento líquido real (isto é, descontada a inflação medida pelo IGP centrado no fim do mês) de aplicações no "overnight" e em CDBs. Os dados para o gráfico vem do Banco Central (reportados no Boletim do Bacen) e atualizados.
Os valores do gráfico mostram a média móvel de três meses de taxas mensais, convertida para taxa anualizada. A razão para se fazer isso é diminuir um pouco a volatilidade mensal e mostrar o patamar médio de rendimento anual das aplicações.
O que se verifica é que as taxas de juros reais estão no patamar anual de 40%. Este é o "custo de oportunidade" do capital que serve para rolar a dívida pública.
A taxa de juros real média de 1991 a 1994 das aplicações no "over" e em CDBs foi de cerca de 25% ao ano. Para se ter uma idéia do estrago que isso pode causar, vamos citar um exemplo.
Quem tinha uma dívida de 100 no início de 1991 e rolasse esta dívida mais os juros que iam vencendo, no início de 1995 estaria devendo 244. Já descontada a inflação.
O impacto de taxas desse porte sobre as finanças públicas não é desprezível. A dívida pública federal (mobiliária) fechou o ano em torno de R$ 65,5 bilhões. Aplicando uma taxa de juros real de 40% sobre essa dívida, resulta em uma despesa de R$ 26,2 bilhões no ano.
Para se avaliar a conta, convém lembrar que o governo deve vetar a lei de aumento do salário mínimo para R$ 100, porque isso causaria um déficit de R$ 5 bilhões à Previdência Social. Se a taxa de juros do over/Selic caísse para 10% real ao ano, aquela despesa se reduziria para R$ 6,6 bilhões (uma economia de R$ 19,6 bilhões).
Mas tal queda não deve ocorrer nos próximos meses. A consequência efetiva disso é a transferência de rendas dos que pagam impostos a rentistas da sociedade. Apontar que tal transferência é perversa é apenas decorrência de raciocínio lógico.
Por contas desse tipo é que se pode perceber como a sociedade estava cansada com a inflação do passado e parece aceitar um custo elevado para se livrar do problema. É claro que a maioria da população não sabe bem raciocinar nesses termos e também deixou de pagar o imposto inflacionário que corroia a moeda. Só não dá para dizer que o programa de estabilização é "neutro".
Por fim, resta esperar que os economistas sãos, que ainda existem em bom número no governo, consigam corrigir a situação.

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