São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Governo dá sinais de que repete o pior

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A maior torcida existente no país, hoje, não é a do Flamengo, Santos, Corinthians, Internacional ou qualquer outro clube popular, mas a da imensa maioria do povo brasileiro, desejosa de que o novo governo federal dê certo.
Estabilidade monetária, redução da inflação para sua posterior eliminação, garantia de emprego para todos, melhor nível de justiça social, investimentos na educação e saúde, segurança pública, enfim, desenvolvimento com melhor distribuição de renda, é a conquista que a população aguarda que ocorra.
Há uma alegria, esperança, enfim, otimismo há muito tempo ausente da ambiência brasileira. Esse otimismo da população, essa crença de que as coisas vão melhorar constituem capital extremamente valioso, que o governo deve procurar prudentemente preservar.
Daí a necessidade de que os passos iniciais do governo federal não comprometam ou dificultem, por serem a base da ação consequente, o atingimento daquilo que o povo deseja.
Um ponto que tem sido negligenciado, por muitos governos, é a tomada de consciência e correspondente ação, de que o Estado é um prestador de serviços para o bem-estar do povo e a realização do bem comum.
Prestador de serviços. O Estado não é construtor de obras e monumentos inertes, nem comprador de parafernálias e de inutilidades. Deve prestar, com qualidade e eficácia, os serviços públicos essenciais, tão enfaticamente alardeados e defendidos como tema de programas e discursos eleitorais e tão menosprezados no decurso das gestões governamentais: saúde, educação, habitação, transporte, assistência social, Previdência, segurança.
Quem presta esses serviços, quem consubstancia a abstração estatal, mais do que o governo, é o servidor público, que corporifica o que se chama de administração.
O desafio, a inovação, a criatividade que incumbem ao governo é buscar a sua integração com a administração pública, de sorte a atuarem integradamente, harmoniosamente.
Atuar como uma família unida, irmanada. Fugir à separação, inverter o agravamento da tendência, que se manifesta, de divórcio.
Para isso, não pode alienar do processo de sua atuação, o servidor público. Não permitir que, por equívoco, muitas vezes decorrentes de boa-fé, seus principais protagonistas –ministros e secretários– afirmem posições e princípios que agravem o processo de separação e tornem inexorável o divórcio entre o servidor público e o governo.
O governo toma decisões, formula diretrizes e políticas. É o servidor público quem as materializa, dia-a-dia. O servidor público é o executor, o implementador do estabelecido pelo governo.
Divorciado do governo, o servidor público obstrui, resiste ou é indiferente às decisões da cúpula governamental. Fica, portanto, comprometida a eficácia da ação governamental. E o prejudicado é o povo, pela inoperância do Estado.
Há tendência histórica no país de o governo concentrar-se no normativismo. Faz planos, baixa leis, emite resoluções e portarias, mas pouco age para que as coisas ocorram. Simplificando: o governo estabelece regras, mas negligencia o seu cumprimento.
Declarações do ministro da Administração e Reforma do Estado podem contribuir para que as relações entre o governo federal e o servidor público se aperfeiçoem ou deteriorem.
Dizer que só é favorável à estabilidade do servidor público para a minoria que compõe as carreiras de Estado –magistratura, Ministério Público, diplomacia, receita e polícia– é incorrer na mesma inabilidade que caracterizou uma gestão anterior, de curta duração.
A grande massa de funcionários sente-se imediatamente desamparada e antagonizada e, portanto, passa a ver com reservas ou hostilidade não apenas esse ministro, cuja missão é estar a serviço da administração pública, mas o governo como um todo.
Outro exemplo: menosprezar a isonomia, que não é só uma idéia reivindicatória, mas o principal princípio a influenciar no global e no detalhe a atual Constituição, é fazer declaração de guerra aos desejos de melhoria e reparação de injustiças existentes na maioria dos servidores públicos.
O escárnio aparece quando, para fazer o reajuste legal (não se trata de aumento e sim de reposição das perdas ocorridas) de pouco mais de 20% sobre os vencimentos dos servidores públicos, o governo ameaça com o parcelamento ou postergação.
Ao mesmo tempo elevam-se, de imediato, em mais de 150% os vencimentos da cúpula –presidente, vice, ministros de Estado e parlamentares. E promete-se vetar a lei que atualiza o salário mínimo de R$ 70,00 para R$ 100,00. O verdadeiro super-homem é o brasileiro que consegue sobreviver com esse salário.
Emite o governo federal claros sinais de que o presente repete o pior do passado: governo preocupado com cúpula, divorciado das bases. Anistia para criminosos do Congresso é exemplo atentatório ao modelo ético prometido na campanha.
Ameaça-se com mudanças nos critérios de aposentadoria, sem definir com precisão as consequências e, principalmente, as regras de transição de um disciplinamento para outro. Passar-se-ia do critério de tempo de serviço para o de idade, ou uma mistura de tempo de serviço e idade, por pontuação.
Na falta de segurança do que vai acontecer, quem pode se aposenta imediatamente. E a administração perde mão-de-obra valiosa, pois experiente. E as despesas aumentam, pois surge a necessidade de repor as perdas. Dobram-se os gastos. É o que está acontecendo.
Tais fatos fazem-me lembrar de uma casa que existe em Petrópolis. A casa do herói nacional, Santos Dumont, pai da aviação. É uma beleza de simplicidade. E de prudência. Santos Dumont, supersticioso, construiu a escada que dá acesso à casa de tal forma que se inicia, obrigatoriamente, a subida com o pé-direito e se entra na casa também com o pé-direito. Nada de pé-esquerdo. Nada de dar oportunidade ao azar e ao malcomeço.
Penso que uma sugestão útil ao governo é a de inventar um caminho para as suas autoridades, de modo que se valorize a utilização do pé-direito. Tomar posse com o pé-direito. Iniciar a gestão com o pé-direito. Deitar falação com o pé-direito. E agir com inteligência, integridade e decência.
Dar um basta na utilização do pé-esquerdo, contramão de um governo que precisa mudar o país para melhor e tem de cumprir seus compromissos com o povo.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, é professor de Direito Tributário e Financeiro na Universidade de Brasília, advogado e ex-secretário da Receita Federal.

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