São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Sob o guarda-chuva do Tesouro norte-americano

RUDIGER DORNBUSCH

O Brasil pode crescer e se estabilizar, mas só se o governo der uma nova definição ao Plano Real
A dramática iniciativa tomada pelo governo norte-americano –movido pelo Tesouro e pelo presidente do Federal Reserve (banco central dos EUA), Alan Greenspan– de solicitar ao Congresso a concessão de um pacote extra de US$ 25 bilhões ou até mesmo US$ 40 bilhões para o México modificou o cenário completamente.
Não há mais motivo para pânico, não há mais perspectivas de que o problema de liquidez do México degenere em não-pagamento e falta sistêmica de crédito para a América Latina inteira. Evitou-se a perspectiva extrema, de um retrocesso até 1982, mas é claro que isso não significa que tudo já tenha voltado ao normal.
Há apenas alguns dias, a segunda tentativa mexicana de leiloar Tesobonus fracassou totalmente e o pânico se instaurou. Qualquer tentativa de diferenciar a situação atual da crise da dívida de 1982 tinha acabado –o México não conseguia levantar dinheiro para pagar os juros de suas dívidas, dentro de pouco tempo o fundo de estabilização de US$ 18 bilhões iria acabar, antes mesmo que metade dos Tesobonus pendentes tivessem vencido.
Era iminente uma reestruturação involuntária da dívida mexicana, exatamente como aconteceu em 1982. E se isso acontecesse, quem poderia duvidar que o próximo seria a Argentina e até mesmo o Brasil?
Os mercados em pesos e créditos mexicanos desapareceram –o mercado passou a exibir imensos "spreads", falta de liquidez e uma espiral descendente de maciços resgates de fundos mútuos forçando a liquidação de títulos a qualquer preço.
O processo que testemunhamos durante as últimas semanas só pode ser descrito como um "desmoronamento". Em pouco tempo as dificuldades políticas mexicanas relativas ao plano de estabilização eclipsaram o pacote estabilizador de US$ 18 bilhões. Alan Greenspan disse ao Congresso que tratava-se do pior pânico financeiro dos últimos 35 anos, trazendo à tona até mesmo memórias do Kreditanstalt.
É verdade que há compradores atentos nos bastidores, ansiosos para tirar vantagem dos baixíssimos preços. O guarda-chuva fornecido pelo Tesouro garante a cobertura de que os investidores precisam para começarem a assumir o risco mexicano.
A iniciativa funciona como mecanismo de garantia da dívida mexicana e como artifício coordenador para implantar um mercado. Com vencimentos longos e um fundo de estabilização que excede o passivo dos Tesobonus, ficou claro agora que a dívida mexicana será paga dentro dos prazos previstos. Isso, por sua vez, significa que os títulos mexicanos de curto prazo podem ser comprados em leilão, sem risco excessivo para o comprador; os poucos pontos percentuais extras acima das taxas norte-americanas serão um bônus, simplesmente.
À medida que os compradores aparecerem, as taxas vão cair e os vencimentos poderão ser esticados, pouco a pouco. Ao mesmo tempo haverá maior estabilidade em decorrência da ampliação do mercado do peso, inclusive devido à iniciativa de incluir o peso na Chicago Merc (Bolsa Mercantil e de Futuros de Chicago, EUA). Gradativamente, no decorrer das semanas e dos meses futuros, o México passará de uma incapacidade devastadora de pagar os juros de suas dívida a uma restauração do crédito.
É evidente que o fundo atende os interesses dos EUA tanto quanto o dos mexicanos. Do lado norte-americano, há três preocupações principais.
Primeiro, a queda dos preços de ativos latino-americanos e o risco de não-pagamento é sofrido também pelos investidores norte-americanos; o guarda-chuva está ali para ajudá-los a recobrar confiança e assim restaurar o valor de seus próprios ativos.
Em segundo lugar, sem o fundo de estabilização, o crédito para o México e para toda a América Latina iria simplesmente desaparecer. O financiamento privado para projetos de desenvolvimento teria de terminar.
Em terceiro lugar, um desabamento do crédito mexicano e latino-americano teria forçado –exatamente como em 1982– uma virada dramática na balança comercial latino-americana e com ela uma perda importante nas exportações líquidas norte-americanas. O impacto teria sido suficientemente grande para levar a uma rápida parada no crescimento dos EUA.
Mais importante ainda, o desabamento do crédito e do crescimento mexicano teria colocado em dúvida o modelo de reforma e desenvolvimento baseado no mercado que vem sendo praticado na América Latina.
A distinção entre boas reformas e má-administração de moeda teria sido ofuscada e um modelo inteiro correria o risco de ficar desacreditado na região, na Europa oriental e na ex-União Soviética. Motivos suficientes para o ousado passo de escorar o México com mais US$ 25 bilhões, razões suficientes para o Congresso concordar com a idéia.
O que vai acontecer agora? É claro que existe uma decepção generalizada com os investimentos na América Latina. Os "enganados" estão partindo e os "urubus" estão tomando seu lugar. Mas os fluxos líquidos de dinheiro certamente serão muito menores do que têm sido nos últimos anos. Os déficits de conta corrente no México e em outros países irão diminuir drasticamente, ou por recessão ou por depreciação de moeda ou pelas duas coisas.
A iniciativa do Tesouro evita o pior, mas não constitui uma panacéia. Especificamente, não pode evitar o fato de que é preciso que os gastos mexicanos voltem a se adequar às receitas, que as taxas de juros sejam altas e os salários reais baixos. Nesse sentido, o México voltou a 1982. Todas as reformas ajudarão a levá-lo ao caminho ascendente, mas as perspectivas são eclipsadas pelo jogo cambial destrutivo pelo qual é preciso pagar agora.
Na América Latina é o México quem vai sofrer mais e a Argentina se sai, sob muitos aspectos, como vencedora. É claro que lá também as taxas de juros serão altas e o crescimento vai diminuir. Mas o peso argentino vem resistindo bem a este batismo de fogo.
Muitas pessoas previam que o peso iria afundar, mas devido à engenhosidade e ao dinamismo do ministro da Economia, Domingo Cavallo, a moeda argentina resiste e sua paridade de 1 por 1 com o dólar deverá permanecer.
O Brasil é outro país que vale observar. Não tem a dependência creditícia do México ou da Argentina. Como se encontra no início de um novo governo e com um plano de estabilização já em andamento, é essencial que encontre novo fôlego.
A primeira prioridade é evitar a supervalorização da moeda, a correção fiscal é importantíssima e a privatização maciça é uma necessidade urgente. O Brasil pode crescer e se estabilizar ao mesmo tempo, mas apenas se o governo agora fizer tudo para dar uma nova e mais agressiva definição ao Plano Real, para que deixe de ser eleitoreiro e passe a promover a verdadeira estabilização.
A crise mexicana e o resgate pelo Tesouro norte-americano representam, para o Brasil, um aviso e o tempo preciso para fazer exatamente isso.

Tradução de Clara Allain e André Lahoz

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