São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Covas, Lerner e Lucena

LUÍS NASSIF

Não há diferenças significativas entre o senador Humberto Lucena e novos governadores de imagem irretocável –como os ínclitos Mário Covas, governador de São Paulo, e Jaime Lerner, do Paraná.
Todos têm em comum o fato de não serem ladrões –no sentido de recorrerem a práticas ilícitas visando enriquecimento pessoal. Covas e Lerner estão menos infensos a pequeno delitos éticos, como empregar Deus e o mundo, imprimir folhinhas com sua cara na gráfica do Senado e ganhar viagens internacionais com mordomias de companhias aéreas.
No restante, a visão de Estado é a mesma. Todos partem da velhíssima concepção política de que o poder do voto lhes confere o direito de tratar o Estado como propriedade particular.
Os ventos políticos sopram de maneira claríssima. Nas duas últimas eleições presidenciais, elegeram sucessivamente os dois candidatos que mais claramente elaboraram esse discurso de despolitização e profissionalização do Estado. Mesmo assim, no plano político, esses velhos novos governadores não conseguem pensar além do convencional, dentro da visão autocrática de quem definitivamente não entendeu os novos tempos.

Virtudes pessoais
O governador Lerner acusa seu antecessor de ter gastado centenas de milhões de dólares em publicidade do Banestado para garantir apoio da mídia. No poder, dispõe-se a conferir autonomia e profissionalização definitiva à direção do banco? Não, apenas a cortar os gastos em publicidade pela metade. Substitui um estupro por meio.
Covas está perplexo desde o primeiro dia de gestão com a situação a que o Estado foi reduzido pela politização irresponsável da administração pública. Instituir formas definitivas de colocá-lo a salvo de ação política deletéria, nem pensar. Em ambos os casos, seria abrir mão de extensões do poder político convencional.
A única garantia que oferecem aos cidadãos é o fato de se considerarem melhores e mais bem intencionados que seus antecessores. Como se fosse possível montar modelos virtuosos escudado exclusivamente nas qualidades e na vontade pessoal dos ocupantes ocasionais de cargos públicos.
Recentemente Covas declarou que entre um diretor financeiro exclusivamente técnico e um diretor financeiro técnico, mas com visão política, preferirá o segundo. O que a visão política vai interferir na hora de negociar taxas de juros? Em nada. Essa "sensibilidade política" exigida não é a de Betinho, é a de Lucena. Trata-se de favorecer instituições, fornecedores amigos e contentar deputados, subordinando-se à estratégia global do partido de angariar apoios políticos e financiamentos de campanha. Ou não? Como são todos virtuosos, pagarão seus aliados preços de mercado.

Cova rasa
Não se pode confundir a ação política global –obrigação indelegável do governador– com essa política rastaquera e nociva da administração dos pequenos e grandes favores com recursos públicos.
O que os cidadãos esperam de seus governadores é a criação de mecanismos institucionais que permitam controle social definitivo sobre a ação política. Esse é o papel dos estadistas que o país tanto demanda. Reorganizar institucionalmente o Estado, criar conselhos e outras formas de controle externo direto da cidadania sobre a ação política e profissionalizar a gestão das estatais.
Sem desfraldar uma grande bandeira, sem se dispor a liderar o grande corte modernizante do Estado, o destino de Covas será idêntico ao de seu antecessor. No começo, boa vontade sem determinação de mudar. No meio, impaciência com a falta de resultados e a entrega dos pontos, o esquecimento das virtudes públicas, o loteamento amplo e irrestrito do Estado em nome da sobrevivência política imediata. No fim, a morte política e o enterro na sepultura rasa que a história reserva aos homens sem grandeza e sem visão de futuro.
Como pessoas sinceramente preocupadas com o bem público, ambos têm que se dar conta enquanto é tempo da necessidade imperiosa de repensar a maneira de fazer política.

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