São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Nem terrorismo nem inércia

ANTONIO KANDIR

Frente à mudança no cenário internacional, há dois erros simétricos a evitar: i) agarrar-se à ilusão de que estamos ao abrigo das turbulências externas; ii) se deixar levar pelo terrorismo interessado de alguns, que tentam borrar diferenças importantes entre o Brasil e os países mais atingidos pela crise.
O primeiro erro leva ao imobilismo, à passividade no manejo da crise e, por consequência, a um perigoso acúmulo de problemas. A experiência do México, como procurei mostrar em artigo nesta coluna ("Cinco lições mexicanas", de 1º de janeiro), indica que uma situação estruturalmente complicada pode se tornar dramática por erros sucessivos no manejo conjuntural da crise.
É mais que recomendável evitar, pois, que uma situação estruturalmente melhor, como a nossa, não se vá deteriorando por certa inércia no manejo das variáveis mais sensíveis da crise. A esse respeito importa reconhecer, desde logo, a hipersensibilidade criada em torno do comportamento da balança comercial, não só pela crise mexicana, mas também pelos dados equivocados sobre os déficits de novembro e dezembro últimos, assunto que mereceu a primeira página do "Financial Times" no último dia 13.
O segundo erro, induzido pelo terrorismo nada inocente de alguns, amplia artificialmente os efeitos da crise externa. O grave é que o comportamento dos agentes econômicos é regido por percepções sobre o presente e expectativas quanto ao futuro, de modo que o artificial pode se converter em realidade se os agentes tomarem a visão terrorista como mais correta.
Não há razões sólidas para tanto. No exame dos setores externos da Argentina, Brasil e México ao final de 94 sobressaem diferenças acentuadas. Enquanto no caso brasileiro surgem reservas de US$ 40 bilhões para um déficit corrente de US$ 1,8 bilhão, resultando em nada menos que 266 meses de cobertura de reservas sobre o déficit, nos casos de Argentina e México os meses de cobertura são de 13 e 2,4, respectivamente.
Em que pese o contraste patente entre a situação dos três países, restaria o argumento de que esses números não refletem ainda o impacto dinâmico da política cambial e da crise mexicana sobre o setor externo brasileiro. O argumento é válido.
Sendo assim, fiz algumas simulações, com números aproximados, variando o saldo da balança comercial e a posição das reservas (saídas líquidas de capitais em relação a uma base de US$ 40 bilhões, correspondente a 1994/final de período), supondo constante um déficit na balança de serviços da ordem de US$ 15 bilhões. A tabela mostra o número de meses de cobertura das reservas sobre déficits em transações correntes.
O exercício nos permite tirar conclusões: i) mesmo supondo a confirmação, muito improvável, das hipóteses mais tenebrosas, ainda teríamos cobertura por quase um ano, com riscos diminuídos de crise cambial devastadora; ii) por outro lado, supondo perdas líquidas entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões, hipótese bastante verossímil, não seria prudente haver superávit comercial inferior a US$ 5 bilhões, objetivo que não está assegurado; iii) não é a melhor política, portanto, ficar parado frente ao quadro que se desenha.

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