São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Livro questiona 'etnias' bósnias

DO VILLAGE VOICE LITERARY SUPPLEMENT

"A história racial é a maldição dos Bálcãs", observa Noel Malcolm no início de seu livro "Bosnia: A Short History" (Bósnia: Uma Breve História), editado pela New York University Press.
Talvez a história racial também tenha sido a maldição de outros países –mas a Bósnia é um caso especial. Malcolm dá uma explicação perspicaz e facilmente legível de como e por que a história racial tem sido tão destrutiva nos Bálcãs e porque não precisa mais sê-lo no momento atual.
Como às vezes acontece na obra de historiadores explicitamente antiideológicos, as visões gerais tendem ao básico: "A única coisa sensata que se pode dizer sobre a identidade étnica dos bósnios é a seguinte: eles eram os eslavos que viviam na Bósnia". Mesmo isso não explica tanto quanto pode parecer, pois a própria definição de "eslavos é ambígua".
"Desde as épocas mais remotas os sérvios e croatas eram distintos porém intimamente interligados, vivendo e migrando em conjunto... Quando chegaram aos Bálcãs, já havia uma grande população eslava vivendo ali. Esse importante substrato de eslavos não pode ser dividido em subgrupos étnicos, de modo que todo o projeto de inventar divisões étnicas entre seus descendentes é fútil. E aquele substrato eslavo deve haver absorvido remanescentes de uma população cujos antepassados podem haver sido, originalmente, ilírios, celtas, romanos, indivíduos vindos de todas as partes do Império Romano, godos, alanos, hunos e avares."
Hoje não há avares combatendo hunos. Mas há eslavos matando eslavos, sem dúvida alguma.
Malcolm conta a história da Bósnia em capítulos equilibrados e não se esquiva de questões delicadas como a identidade dos valáquios ou a conversão da maioria da população bósnia ao islamismo, sob a égide otomana. Sem dúvida, há lugar para controvérsias, mas o que Malcolm faz é oferecer o consenso dos historiadores.
O penúltimo capítulo começa com Slobodan Milosevic discursando para várias centenas de milhares de sérvios no local onde foi travada a batalha de Kosovo, acontecimento ocorrido há 600 anos e que realmente não precisaria ser comemorado outra vez.
Assim começa o desfecho, com as forças sérvias dando início a sua campanha de ampliação de suas fronteiras e poderes e comentaristas estrangeiros começando a pronunciar seus estranhos lugares-comuns sobre rivalidades étnicas imemoriais. Malcolm é bastante claro quando fala das atrocidades cometidas na Bósnia:
"O padrão foi estabelecido por jovens gângsteres urbanos vindos da Sérvia, usando óculos escuros caros... Embora os indivíduos que cometeram esses atos possam haver tido algum prazer patológico em cometê-los, o que faziam, na realidade, era implementar uma estratégia racional ditada por seus líderes políticos –um método cuidadosamente calculado para expulsar duas populações étnicas e radicalizar uma terceira."

Tradução de Clara Allain

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