São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Globalização financeira exige uma nova política

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O fenômeno da globalização financeira vem mostrando que séculos depois da criação da ciência econômica exige-se da economia que seja mais política do que a própria economia política original. O fenômeno central da dinâmica financeira é a construção da confiança e a percepção de que o lado "hard", material, estrutural da economia não faz sentido fora de um jogo que contém sempre uma alta dose de simulação.
Entre as centenas de artigos e comentários que desde dezembro giram em torno da crise mexicana, há talvez um tema mais saliente. Haveria um destino "cucaracho"? Estaria a América Latina fadada ao desregramento recorrente? Seria afinal possível diferenciar entre Brasil, México e Argentina ou estariam todos no mesmo saco de "emergentes latino-americanos"?
Foi impressionante a operação de marketing lançada em torno do México nos últimos anos. Um executivo financeiro explicava, na semana passada, que a origem da ilusão está no fato de que os mercados consumiam relatórios econômicos preparados por corretoras e bancos de investimento interessados em vender o México a toda prova, pois suas comissões dependiam disso. Relatórios preparados por economistas seriam sempre mais sóbrios e realistas.
Mas a dimensão cultural e comunicativa desses mercados tem raízes mais profundas. Ouvi de um ex-presidente de banco central que os executivos financeiros sofrem de "ejaculação precoce". Imaginam sempre que o mundo real opera e reage aos acontecimentos com a velocidade e o ímpeto das transações financeiras. Como o tempo da economia e da política não é sincrônico ao das finanças, o sistema fabrica incessantemente assincronias catastróficas.
Ernst Bloch falava da "sincronia do assincrônico" no capitalismo. John M. Keynes usava a metáfora da dança das cadeiras para descrever a roda das finanças: todos dançam com euforia, mesmo sabendo que não há cadeiras suficientes e que se a música parar muitos se arrebentarão no chão.
No Brasil, há bons motivos econômicos para crer que os impactos da crise mexicana serão secundários, tais como nosso nível de reservas internacionais ou a expectativa de que haverá aqui ajustes que lá não ocorreram. A privatização por aqui mal começou, o atraso cambial pode ainda ser compensado de mil maneiras, através da redução do "custo Brasil". E é sempre possível lançar mão de medidas emergenciais, como facilitar o crédito para exportadores ou mesmo ressuscitar algum subsídio fiscal provisório.
O que pouca gente quer ver é que tanto a Argentina como o México fizeram, de verdade, os tais ajustes: houve privatização, ajustes fiscais significativos, liberalização comercial e até pactos sociais capazes de assegurar por bom tempo a "governabilidade". Na Argentina avançou-se também na redução de custos trabalhistas, de impostos e na liberalização financeira.
O mais difícil é reconhecer que o pânico financeiro, a crise que revela as bolhas especulativas, resulta da pura e repentina perda de confiança, processo essencialmente político no sentido mais amplo.
Não que a solidez dos fundamentos econômicos seja irrelevante. Ocorre apenas que eles também desmancham no ar.

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