São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Derrotas em silêncio

É pouco provável que algum governo dos anos recentes e não tão recentes tenha iniciado sua gestão com uma tal sequência de derrotas ou recuos, no relacionamento com o Congresso, como a administração Fernando Henrique Cardoso.
Mal se instalara no Palácio do Planalto, o presidente assistiu, inicialmente inerme, ao constrangedor espetáculo da chantagem de um grupo de senadores que pretendia condicionar a aprovação do nome de Pérsio Arida para presidir o Banco Central à anistia para os parlamentares que cometeram crime eleitoral ao utilizarem a gráfica do Senado em suas campanhas.
Visto o episódio a partir do desfecho final, só se pode concluir que a chantagem funcionou. Arida foi, afinal, aprovado, mas a anistia passou e o porta-voz da Presidência anunciou que FHC não irá vetá-la.
Para quem fez campanha, entre outros argumentos, com a promessa de renovação dos costumes políticos, é um desastre de proporções ainda a serem medidas mais adiante, mesmo que se admita a hipótese, simplista, de que o presidente foi apenas vítima da chantagem.
Em seguida, veio uma torrente de votações desastrosas do ponto de vista do governo, qualquer que seja o ângulo pelo qual se deseje analisar os fatos.
Veja-se o caso do salário mínimo de R$ 100. Primeiro, o governo demonstrou incapacidade de controlar plenamente as bancadas dos partidos que, supostamente, o apóiam. Parte delas votou a favor de um reajuste que o governo considera inconveniente, tanto que já anunciou o veto presidencial ao novo valor do salário mínimo.
Como se fosse pouco, o governo acabou ficando com o ônus de ter que vetar o mínimo, mas sancionar reajustes muito superiores nos salários das autoridades da República (o próprio presidente, ministros e todos os congressistas).
A argumentação de que o impacto do mínimo a R$ 100 é muito superior ao do reajuste salarial das autoridades pode até ser tecnicamente correta. Politicamente, no entanto, o efeito será desgastante para o governo.
Mesmo nas vitórias obtidas no Congresso, o gosto amargo permanece. No caso da lei de concessões, o governo recuou em alguns pontos, preservando distorções atuais.
Também no caso das mudanças no Imposto de Renda das empresas foram feitas concessões, que acabaram reduzindo o volume de recursos que inicialmente se pretendia arrecadar. E nem isso impediu que o empresariado começasse a se preparar para iniciar uma batalha judicial contra a nova legislação.
Sempre se pode argumentar que o calendário acabou por provocar uma anomalia: o Executivo é novo, mas o Congresso é velho. Não deixa de ser verdade, mas parece muito pouco provável que o novo Legislativo seja, qualitativamente, diferente do atual ou que o governo possa contar firmemente com a maioria necessária.
Ainda mais que essa maioria, no caso das reformas constitucionais erigidas pelo Executivo em chave para o sucesso da estabilização, terá de ser qualificada (3/5 de cada Casa, em duas votações separadas).
É claro que tais tropeços iniciais não são irreparáveis. Parece evidente que o êxito ou fracasso do governo FHC estará dado muito mais pela implementação das reformas estruturais prometidas e pelo resgate, ainda que parcial, da chamada dívida social do que pela votação de salários, de qualquer natureza, ou de medidas provisórias sobre tributação.
Mas, para que cumpra de fato o prometido na campanha, é improvável que o presidente da República possa continuar mergulhado na semiclandestinidade que se auto-impôs desde a posse. A não ser por frases esparsas de seu porta-voz e de um ou outro interlocutor, o país ignora o que pensa o chefe do governo a respeito desses seus primeiros dias (e trapalhadas).
Entre a pirotecnia de um Collor, a desorientação de um Itamar Franco e o monacal silêncio de Fernando Henrique Cardoso, deve haver algum ponto intermediário mais útil tanto para o governo como para a própria sociedade.

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