São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Terremoto à brasileira

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

É claro que ninguém vai querer forçar a mão e dramatizar analogias inexistentes. Mas, guardadas as devidas proporções, o Brasil também teve uma semana de terremoto.
Primeiro foi o desencontro de números que acabou passando a nossa balança comercial de uma condição confortável para uma situação de apreensão. Depois, foi a anistia dos parlamentares infratores. Em seguida, veio aumento de seus salários. E, por fim, explodiu a história do veto ao salário mínimo.
No meio de tudo isso tramita a proposta de aumento de impostos. O povo, que gosta de perguntar, já está respondendo. Sabe para que esse aumento? Para garantir o aumento dos parlamentares, ministros e outros executivos.
São lances desse tipo que transformam esperança em desolação. O brasileiro é um povo otimista por excelência. Mas, ultimamente, essa sua virtude está sendo desafiada a toda prova.
Recebi um telefonema do meu amigo Matias, um fazendeiro de médio porte, homem simples, supertrabalhador e que, dentro da sua simplicidade, sempre põe o dedo na ferida.
Quis saber se os demais senadores que usaram a gráfica do Senado também vão pagar o estrago que fizeram. E, se isso vai ser feito com juros e correção monetária. Quis saber ainda se a gráfica vai ser privatizada ou se continuará como um baú de Maria Joana dentro do qual novos parlamentares podem meter a mão à vontade por contarem com nova anistia –por eles mesmos decidida.
Eta, Matias! A curiosidade dele não parou aí. Ele me perguntou se uma pessoa que sonega Imposto de Renda, quando apanhada pelo fisco, também goza do privilégio de pagar o que deve, sem multa e sem processo administrativo.
Quis saber ainda por que nenhum parlamentar se propôs a conceder anistia à Santa Casa de seu município que, apesar de prestar valiosíssimos serviços aos que mais sofrem, não consegue recolher em dia o que deve ao INSS.
Gestos como esse da anistia ferem os princípios mais fundamentais da ética pública e acabam deteriorando o mínimo de respeito que os governados têm pelos governantes. Isso é grave. Pobre Justiça! Como pregava Confúcio, para um governo, pode faltar armamento e até mesmo alimento. Mas, nunca pode faltar a confiança de seu povo. Sem isso, ele jamais conseguirá governar.
Quando a gente olha para trás e observa tragédias como essa de Kobe, vemos que estamos numa terra abençoada.
Entre nós, os abalos da natureza são desprezíveis. Mas os abalos da política... sai debaixo.
Tudo isso acontece numa hora em que o povo levanta as mais altas esperanças em relação ao novo governo. O próprio presidente Fernando Henrique, político experimentado, deve estar estarrecido com a orquestração de chantagens que se arma em torno dele. O "toma lá, dá cá" continua como d'antes no quartel de Abrantes. Há dias, tomaram como refém o presidente do Banco Central. Agora, chegou a vez do presidente da República que tanto necessita dos serviços do Congresso Nacional.
Isso não é certo. Afinal, é o povo, na figura do presidente da República, que acaba, injustamente, pagando o alto preço desse pato indigesto. É bom colocar um basta desde logo, antes que outros jogadores se sintam animados em prosseguir com o mesmo jogo.

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