São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Bode expiatório

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Por ofício, e não por gosto ou interesse, obrigo-me a ler os comentaristas políticos da mídia, entre os quais faço questão de não me incluir. Tenho a cabeça ligada em outras coisas, até hoje não consegui terminar um romance (que aliás só tem o título definido: "Opinião da Vaca Sobre a Cidade do Rio de Janeiro no Final do Século 20").
Ao contrário do ministro Serra, sou obcecado por vacas. Eu as conheço desde criancinha, enquanto o ministro somente na semana passada tomou conhecimento de uma vaca. Contudo, o assunto de hoje não é vaca, é bode.
Reina sagrada indignação contra o Congresso. Poder desarmado, fragmentado na definição e complicado na operação, o Congresso é o bode expiatório dessa turma deslumbrada que acredita no novo slogan: "Brasil – Governo Federal".
Certo que o Congresso está longe de ser uma corte celestial, um elenco de varões de Plutarco, um panteão de beneméritos da humanidade. Sem munição para as benesses mil que só o Executivo dá, fica fácil aos moralistas de ocasião descer o lenho nos congressistas, sobretudo naqueles que estão indo embora.
Não vejo o inflar de bochechas contra um governo que está dando continuidade a outro e sabe que o salário mínimo podia ser de R$ 120, sem falir a Previdência, bastando cobrar as empresas em débito com o INSS. O rombo aberto na Receita Federal é maior ainda, volta e meia noticia-se que 600 empresas serão executadas e tudo fica na mesma. A culpa é de um só: daquele que está sentado no Planalto e dormindo no Alvorada.
Com todos os erros e escândalos num colegiado com mais de 500 membros, continuo achando que o aspecto mais deplorável do poder público não está no Congresso. Fizeram do Caso Lucena uma cortina de fumaça para esconder vacilações e arrumações na hora de mudar a equipe –que em seu núcleo é a mesma.
O crime de Lucena foi o mesmo de todos os senadores, incluindo aquele que hoje é presidente. Matar uma velha ou matar 120 velhas tanto faz. A consciência de Raskolnikov sabia disso.

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