São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Lições da crise

LUIZ FELIPE LAMPREIA

A crise mexicana tem sido discutida no Brasil, frequentemente, sob uma ótica extremada: de um lado, os que acham que, a exemplo do que ocorreu em 1982, ela nos afetará de forma duradoura, comprometendo os esforços do Brasil pela estabilização e pela retomada do crescimento; de outro, quem pensa que, dadas as inegáveis diferenças estruturais entre as economias dos dois países e entre os respectivos planos de estabilização, o Brasil não só não será afetado a médio e longo prazos como ainda sairá ganhando com o sacrifício do México.
Do ponto de vista estrito da política externa brasileira, é preciso matizar essas percepções, não como exercício aleatório de especulação, mas porque temos a oportunidade de retirar lições dessa crise e colocá-las a serviço do nosso projeto de desenvolvimento e de inserção internacional.
Não é certo que o Brasil ganhe com o que o México possa perder. Um México forte e em crescimento sustentável é uma das parcerias operacionais de que o Brasil necessita. Temos com o México uma relação das mais proveitosas e um comércio que já superou a casa do bilhão de dólares anuais.
Por mais que se possa pensar que o Brasil se beneficiaria com o desvio de fluxos de investimento antes destinados ao México, é preciso saber antes se queremos e se podemos, do ponto de vista da política macroeconômica, receber esse suposto acréscimo de capitais que tem impacto cambial e monetário.
Queremos atrair investimentos produtivos por força das nossas virtudes econômicas, não por problemas conjunturais em algum de nossos parceiros. O Brasil só tem a ganhar com a estabilidade macroeconômica de toda a América Latina. O exemplo da Ásia do Pacífico é o que deve nos orientar neste momento.
Em segundo lugar, é verdade que a crise no México nos afetou –e isso se mede em números– porque ela deu um sinal que os investidores internacionais percebem como um alerta sobre todo o continente. Para isso, contam com a experiência anterior, em que a moratória mexicana precipitou (e não causou) uma crise financeira sem precedentes na América Latina.
Ainda que a crise mexicana atual não espelhe a crise de 1982, essa retração é conselho da mais elementar prudência, a qual, por sua vez, explica a reação das bolsas em todo o continente e no Brasil em particular.
Nessa primeira etapa, é a semelhança, ainda que meramente psicológica (embora seja mais do que isso), que preside as avaliações. O passo seguinte, certamente, é uma avaliação mais detida da crise, suas causas e suas implicações, inclusive das reações em outros mercados. Nessa segunda etapa, é a diferença que passa a comandar.
Essa diferença salta aos olhos do analista mais consciente e bem-informado, porque ela decorre de dados fundamentais da realidade macroeconômica brasileira, da nossa inserção no comércio internacional e regional, da natureza do nosso parque industrial e do nosso setor agropecuário, do nível e qualidade das nossas reservas internacionais, da natureza do nosso ajuste e da nossa abertura comercial, da base de sustentação do programa de estabilização e da dimensão da nossa retomada do crescimento –sem falar no sistema político e na organização social, com suas respectivas capacidades de canalizar demandas, gerir conflitos de interesses e gerar consensos.
É claro que essa diferença, por sua vez, é matizada por alguns elementos que novamente nos devolvem à semelhança. O surgimento de déficits mensais na balança comercial brasileira nos últimos dois meses, coincidindo com a crise cambial mexicana, a percepção setorial de que o real estaria sobrevalorizado e o caráter volátil de parte dos fluxos de capital que têm ingressado no Brasil são elementos que devem ser pesados em seus méritos próprios e também contra o pano de fundo da nossa diferença.
O importante, de qualquer forma, é que possamos extrair lições operacionais dessa crise. A mais importante delas, sem dúvida, é a que mais impacto tem na sustentação de um projeto vigoroso de fortalecimento da nossa inserção internacional, é que não basta ser diferente, é preciso parecer diferente.
Cabe a nós brasileiros, e muito especialmente aos que estão conduzindo tanto o processo político e econômico interno quanto as nossas relações com o mundo exterior, assinalar nossa diferença, marcá-la de forma positiva e assertiva e, mais que nada, contribuir para fortalecê-la e ampliá-la.
A diplomacia brasileira tem um papel fundamental na aplicação dessa lição. Explicar, detalhar, esmiuçar as razões que nos fazem confiar no Brasil neste momento é a primeira prioridade dos nossos agentes diplomáticos. E essa tarefa terá muito mais êxito se nós pudermos sinalizar claramente, em apoio dessa nossa diferença, que o país está engajado nas reformas estruturais indispensáveis para confirmar a transformação qualitativa que se operou na nossa economia e para nos dar instrumentos mais eficazes no plano interno para continuar competindo no plano externo com o vigor crescente que nos deram a estabilização da economia e a retomada do crescimento. As reformas são um imperativo também para a nossa diplomacia.
O compromisso com a reforma, a busca dos consensos ou das maiorias para realizá-las e a nossa já demonstrada capacidade de aprender com as experiências, próprias e alheias, constituem hoje o melhor patrimônio com que o Brasil pode contar para trafegar neste trecho do caminho. Ser diferente, parecer diferente e acentuar com fatos e realizações a diferença naquilo que ela tem de positivo: eis aqui as lições da crise.

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