São Paulo, segunda-feira, 23 de janeiro de 1995
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Indústria vai tentar barrar contrapropaganda de fumo

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério da Saúde criou uma comissão com o objetivo declarado de "estudar e propor instrumentos juridicamente válidos" à viabilização da portaria que regulamenta a publicidade de fumo.
Se depender de quatro dos oito membros convidados, as novas regras vão virar fumaça na comissão mesmo. Três são executivos de indústrias de cigarros. O quarto representa interesses das redes de TV.
É consenso entre agências e anunciantes do setor que, nos termos em que está redigida, a portaria transforma a publicidade na mídia eletrônica em suicídio à imagem do produto e das marcas.
"Realizamos simulações inserindo nos comerciais as exigências da portaria. Ficou um horror", afirma Roberto Duailibi, sócio da DPZ, que cria campanhas para a Companhia Souza Cruz.
Ele se refere aos efeitos potenciais da mensagem lida pelo locutor na cena final do comercial, enquanto o texto escancarado na tela informa que "fumar causa bronquite, enfisema, câncer de pulmão e de outros órgãos".
O que fortalece o argumento oficial de que a advertência "fumar é prejudicial à saúde" ficou esvaziada de conteúdo.
O publicitário enxerga no alerta preventivo uma "agressão ao telespectador". A Associação Brasileira de Anunciantes (Aba) proclama que a portaria equivale a uma proibição de anunciar.
Os investimentos publicitários saltaram de US$ 17,5 milhões em 1989 para US$ 54,7 milhões no ano passado –cifra que não inclui merchandising e ações promocionais.
Agências que detêm as contas das marcas mais baratas –cuja participação de mercado soma 40%– buscam estratégias alternativas de mídia.
A portaria ministerial estabelece que a publicidade só poderá ser veiculada a partir das 23 horas, sem chance de atingir o público alvo.
Estão sendo cogitados desde o patrocínio de programas especiais nas noites de sextas e sábados, quando esses telespectadores dormem mais tarde, até o reforço de programas de rádio na madrugada.
Na hipótese de interrupção de campanhas, o rombo será pesado para a TV, que canaliza 80% do volume anual. Não está descartada a migração de verbas para outros meios.
Prova de que a indústria já aguardava restrições mais férreas à publicidade do fumo no país é que, nos últimos anos, tem diversificado em promoções de shows musicais para a faixa jovem.
Mesmo proibida, pela nova portaria, de distribuir amostras-grátis em eventos públicos, nada impede que engrosse seu cadastro de clientes, rementendo-as posteriormente via correio –embora a prática já tenha resultado em protestos paternos.
No âmbito da comissão ministerial, conforme apurou a Folha, a tática será bombardear as novas exigências.
Os anunciantes argumentarão ser industrialmente inviável, por exemplo, o rodízio de mensagens antifumo estampadas nos maços.
Seu objetivo é persuadir o governo a despachar o assunto ao Congresso. O forum é mais "flexível", nas palavras de um diretor da Aba.
A tradução é: vulnerável à ação lobista. O questionamento judicial ficou reservado como última saída.

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