São Paulo, segunda-feira, 23 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Rachadores ignoram onda de acidentes

GABRIEL BASTOS JUNIOR
DA REPORTAGEM LOCAL*

Acidentes não acabam com rachas nas ruas
Pontos de encontro em São Paulo ainda estão movimentados; juiz defende penas mais rigorosas para responsáveis
A morte de pelo menos dez pessoas em acidentes no final de semana retrasado não diminuiu os rachas em São Paulo. Pelo menos seis pontos de encontro continuam em atividade.
André (nome fictício), 22, que tem um Passat com motor turbo e já andou a 220 km/h na av. dos Bandeirantes, garante que a onda não acabou. Apesar do carro, ele diz não "rachar" com ninguém e considera criminoso quem tira racha em locais movimentados.
"O cara tem que ser meio imbecil para acelerar num lugar cheio de gente. Bebendo então, sem comentários", diz.
Em parte, isto se deve à impunidade. Os rachas sem mortos nem feridos são considerados direção perigosa, que é apenas contravenção. A pena, neste caso, é uma multa de R$ 408,00.
Rachadores envolvidos em acidentes geralmente têm pena de no máximo três anos de prisão. É o que prevê o atual Código Penal Brasileiro como pena máxima para homicídio culposo, como normalmente são considerados acidentes de trânsito com morte.
Alexandre Andrade, 19, e Francisco dos Santos, 30, são acusados de ter atropelado 21 pessoas, das quais oito morreram, no último dia 15, em Jacareí (68 km a leste de São Paulo).
Para Ana da Silva, 44, mãe de Érica Adriana de Oliveira, 16, os dois acusados de participar do racha precisam ser condenados pela Justiça.
"Eles tiraram a vida de minha filha e de mais duas amigas dela. Isso não pode ser esquecido", afirmou.
Érica deixou um filho de um ano, que será criado pela avó. Uma de suas amigas, Luciana Pacheco, 22, estava grávida e deu à luz ao ser atropelada. O bebê e a mãe morreram no local.
O laudo da polícia técnica confirma o depoimento das testemunhas de que os dois suspeitos disputavam um racha.
"Não podemos mais admitir que fatalidades deste tipo continuem sendo consideradas acidentais", diz Octavio Cesar Valeixo, juiz do Tribunal de Alçada do Paraná, que há 15 anos trabalha com delitos de trânsito.
Para ele, os responsáveis pelo acidente de Jacareí se enquadram perfeitamente no dolo eventual: quando a pessoa não tem a intenção de cometer um crime, mas sabe que a possibilidade existe. A pena para homicídio doloso é de até 30 anos de prisão.
Segundo Valeixo, aproximadamente 300 mil delitos e crimes de trânsito foram registrados no Brasil ano passado. "É um absurdo que todos eles sejam considerados acidentais."
O novo Código Nacional de Trânsito prevê punição muito mais rigorosa para rachas e acidentes decorrentes. A lei está parada no Senado há seis meses aguardando votação.

*Colaborou ENIO MACHADO, da Folha Vale

Texto Anterior: Sol envelhece sua pele
Próximo Texto: Preparação deixa carro 'indirigível'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.