São Paulo, segunda-feira, 23 de janeiro de 1995
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A comunidade lusíada

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

José Aparecido de Oliveira, na edição da Folha de 17/01 (pág. 1-3), defende a tese da criação de uma Comunidade Lusíada como imposição da atualidade, justificando com ponderáveis argumentos sua formação com os sete países da língua portuguesa.
Não disse, o eminente autor, que a idéia já fora objeto de profunda reflexão em 1964 e 1981, em congressos da Comunidade de Cultura Portuguesa na cidade de Lisboa, em que, por duas vezes, a proposta fora feita, com pequena receptividade no primeiro momento e grande aceitação em 1981.
Nas duas vezes, representando a Comunidade Lusíada brasileira, eu a propus, tendo discutido a questão em 1964 com o presidente do Conselho de Ministros de Portugal, professor Oliveira Salazar, e a segunda com os organizadores do conclave, presidido pelo primeiro-ministro Francisco Balsemão.
O atual vice-presidente da Assembléia Nacional Portuguesa, deputado Adriano Moreira, que fora o organizador do Congresso de 1964, sempre propugnou pela criação de um espaço lusíada. Tendo sido ministro do Ultramar de Portugal, compreendera, já naquela ocasião, que a descolonização seria fatal e pretendia preparar o processo da independência das províncias ultramarinas de forma não-traumática.
A idéia de incorporação do Brasil ao processo separatista teve bastante repercussão no Congresso, mas não senti o mesmo entusiasmo quando tratei da matéria com o dr. Salazar, até porque os ressentimentos dos portugueses com o governo Jânio Quadros –do qual participara o embaixador José Aparecido– ainda eram evidentes.
Em 1981, todavia, a aceitação foi absoluta. Portugal discutia, à época, seu ingresso na "Comunidade Econômica Européia" e entendia que a criação de uma "Comunidade Lusíada", formada com os países de língua portuguesa, representaria um trunfo semelhante àquele que Inglaterra e França tiveram quando de sua incorporação –a França como fundadora e a Inglaterra em adesão posterior– agregando suas ex-colônias ao processo de unificação européia.
O Congresso das Comunidades Portuguesas de 1981 aprovou inclusive a moção que eu apresentara para que se estudasse tal nova conformação, com a adesão de todos os países participantes (ex-colônias) e sem a adesão do Brasil, visto que a representação brasileira não era oficial. Eu representava os portugueses e descendentes de portugueses no Congresso e apenas eles.
A idéia básica, que defendera, objetivava ofertar ao Brasil "status" de nação mais favorecida, quando da integração de Portugal à "Comunidade Econômica Européia" (denominação da época), com o que Portugal se fortaleceria e o Brasil e diversos países teriam vantagens manifestas.
Infelizmente, à minha volta daquele conclave, vivia o Brasil a síndrome do processo inflacionário e das dificuldades com seus credores externos e internos, que se agravaram a partir de 1982, não tendo as autoridades brasileiras, a quem manifestei a importância de tal empreendimento, a mesma sensibilidade, o que terminou, de vez, com a queda do governo Balsemão em Portugal.
A idéia, portanto, do embaixador José Aparecido, renovava 30 anos depois, é de se louvar. O professor Adriano Moreira, a par do seu relevante papel legislativo em Portugal –é o atual presidente da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, sediada em Lisboa–, por hospedar idêntico posicionamento haveria de facilitar o entendimento na área legislativa, visto que a formação de um espaço lusíada maior é acalentada ambição dos líderes dos seis países que constituem hoje a Comunidade Européia e Africana.
A instituição, pois, de um bloco de natureza comercial, que poderia evoluir para uma espécie de confederação política, sobre fortalecer todos os sete países, daria ao Brasil uma ponte européia e africana de dimensão maior do que aquela que possui hoje, ampliando as áreas da própria experiência que começa agora a viver com o Mercosul.
Com o presidente Fernando Henrique aberto para horizontes plurinacionais e a possibilidade de o ex-presidente Itamar Franco dar início às discussões para a integração que seu ex-colaborador José Aparecido descortina, vejo agora com fundadas esperanças a realização da velha aspiração de todos os portugueses que se radicaram no Brasil, assim como de seus descendentes, pois a gente lusíada teve decidido papel na conformação desta pátria maiúscula, que é o Brasil.

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