São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 1995
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México: teoria e charlatanice

ANTONIO DELFIM NETTO

A tragédia mexicana não mostra apenas os riscos de uma taxa de câmbio valorizada, como parte de um quadro que produziu déficits em conta corrente insustentáveis. Toda a tentativa de minimizar essa lição teorizando sobre a natureza do déficit em conta corrente (por definição um excesso do dispêndio global sobre a produção nacional) e seu financiamento, utilizando uma identidade contábil nos fluxos, tem o fino ar de elegante charlatanice.
A identidade é apenas uma restrição linear entre variáveis que são determinadas simultaneamente e não tem o menor valor explicativo. O pior é que ela é abusada para falar de um mundo ideal, onde o futuro é certo, em lugar de falar do mundo real, onde o futuro é incerto, ou seja, o financiamento do déficit é axiomaticamente garantido.
Quando existem condições micro e macroeconômicas que levam a um aumento do investimento privado acima da disponibilidade de poupança privada interna (e há equilíbrio fiscal), a consequência é o aparecimento de um déficit em conta corrente, que pode ser financiado de diversas formas. A melhor, é o investimento direto ou o empréstimo a longo prazo, que vem aproveitar as oportunidades criadas pelos diferenciais das taxas de retorno internas e externas.
Mas quando o déficit em conta corrente reflete um aumento do consumo (uma redução da poupança privada) ou a poupança negativa do governo, a situação é bem outra. Nos dois casos, como mostrou Roland Wilson há 64 anos, tende a haver uma sobrevalorização da taxa de câmbio real (com relação a que manteria o balanço em conta corrente em equilíbrio), o que modifica a estrutura dos dispêndios entre mercadorias transacionáveis no exterior e não-transacionáveis. Não há, portanto, novidade no que falam os "nouveaux économistes".
Mas a lição mexicana nada tem a ver com isso. Tem a ver com o financiamento do déficit em conta corrente com a utilização de capitais especulativos que vêm arbitrar as absurdas diferenças entre taxa de juro interna e externa, ou aplicar na Bolsa para arbitrar diferenças de valores patrimoniais, agitações tão a gosto dos "papeleiros" de todo o mundo. Esses movimentos são erráticos, sujeitos a grande volatibilidade e altamente incertos. Eles não tem, permanentemente, um comportamento frio e racional diante dos fundamentais. Às vezes são sujeitos a movimentos esquizofrênicos que exageram a sua volatibilidade. Os agentes têm comportamento de rebanho. Um fato novo (verdadeiro ou imaginário) põe todos os bisões a correr solidariamente, destruindo tudo.
E os fundamentais? Que fundamentais qual nada! A ordem é cada um salvar o seu. Quem sobreviver pode voltar depois para pastar sobre os cadáveres dos que não tiveram sucesso na fuga.
Não adianta teorizar sobre isso. O movimento errático e as mudanças de estado psicológico são parte inerentes dos fenômenos sociais complexos. E são incertos e imprevisíveis.
Essa é a lição mexicana: é melhor e mais seguro fazer o desenvolvimento com poupança interna (com equilíbrio em conta corrente ao longo do ciclo). Ou usar a poupança externa na medida certa e na qualidade adequada, sem brincadeiras com a taxa de câmbio.

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