São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 1995
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Nosso muro de Berlim

ANTONIO OLIVEIRA SANTOS

Ao rebatizar a antiga SAF como Secretaria de Administração Federal e Reforma do Estado, o presidente Fernando Henrique Cardoso fez mais do que acrescentar palavras a um dos mais importantes braços do governo.
Existe hoje um amplo consenso em relação à incapacidade do Estado brasileiro em sustentar o modelo de intervenção no domínio econômico e, ao mesmo tempo, cumprir com suas obrigações na área social.
Visivelmente, o Estado está inadimplente em matéria de educação, saúde, segurança pública, resultado da ineficiência da administração pública, do fisiologismo político e da malversação dos recursos que só nos levaram à inflação e ao subdesenvolvimento crônico.
Basta uma visão global dos nossos problemas para se chegar à conclusão de que o erro está no governo. O governo é (ou melhor, foi sempre) grande demais, excessivamente burocrata, perdulário e incompetente. Executou mal os serviços de sua responsabilidade e onerou demasiadamente o setor privado, sobrecarregando a folha de salários, desestimulando o emprego da mão-de-obra nacional e fomentando a clandestinidade da economia informal, amedrontando o empresário nacional e estrangeiro, cerceando a livre iniciativa.
À sombra do governo, prosperaram autarquias, fundações e sociedades de economia mista que, no passado, poderiam ser justificadas em nome de "um processo capitalista incipiente". A situação mudou completamente. Enquanto definha e se estiola o Estado intervencionista em toda parte, o setor privado ganha o vigor da modernidade, expande seus mercados, mobiliza os recursos do mercado financeiro em extrema competência e criatividade.
A onda de estatização dos anos 50 e 60, do pós-guerra, foi inteiramente revertida sob a liderança da Inglaterra, seguida da França, Espanha, Portugal e mais recentemente a Itália. As experiências socialistas da Europa ruíram fragorosamente enquanto prosperavam as economias de mercado, apesar de todos os tropeços das duas grandes crises mundiais de 1973/74 e 1979/83.
A verdade é que o Estado paternalista, o "welfare state" dos sonhadores, encerrou sua carreira nos anos 70. O alongamento das expectativas de vida está inviabilizando o velho sentido amplo de seguridade social e impondo novas exigências e limitações ao Estado brasileiro, ainda incapaz de acompanhar as necessidades da nova estrutura social. A privatização passou a ser solução obrigatória para as carências do erário público e da imperiosa necessidade de reforma do Estado.
No Brasil –mesmo diante das fases extraordinárias de progresso das décadas de 1950 e 1970–, continuamos a acumular uma vergonhosa dívida social, que, hoje, certamente, se converteu em uma das razões principais do nosso atraso cultural, das desigualdades de renda e do subdesenvolvimento econômico.
O empobrecimento nacional é uma triste realidade. O setor assalariado, que em 1960 participava com 60% da renda nacional, atualmente está reduzido a pouco mais de 35%. Cresceram e expandiram-se as fronteiras do serviço público. A desigualdade na distribuição de renda se agravou.
Aí está o diagnóstico. A terapêutica, sem dúvida, passa pela reforma do Estado, onde sobressai a necessidade imperiosa de desmontar esse enorme enclave em que se transformaram as grandes corporações estatais.
O Estado não tem recursos para modernizá-las e não tem mostrado (historicamente) autoridade ou poder para enquadrá-las no contexto dos interesses estratégicos nacionais. A recente greve dos petroleiros é um bom exemplo, que pode repetir-se em outros setores essenciais.
Além dos privilégios, que representam uma flagrante injustiça em relação à massa dos assalariados, esses enclaves ameaçam a segurança e a normalidade da vida nacional. Eles representam o resíduo de um vezo nacionalista ultrapassado, quando o nacionalismo econômico, nos dias de hoje, é o que se exerce de forma inteligente e eficaz.
Esses enclaves representam o nosso Muro de Berlim, separando o Estado e suas corporações estatais dos demais segmentos da sociedade brasileira. É preciso desmontá-lo.

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