São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 1995
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PR em deslocamento

JOSÉ SARNEY

Todo governo novo precisa ser entendido. Os analistas de personalidades procuram desvendar as pessoas que governam e os seus retratos psicológicos para saber os mistérios dos comportamentos futuros.
Exemplo: "Ministro tal gosta de jogar tênis, para jogar tênis é preciso ter a exata noção de onde colocar os pés, logo tem os pés no chão, será objetivo, direto"; "ministro tal gosta de vôlei, fica sempre pensando num saque, saque leva a bola para o alto, tendência de olhar para cima, logo, não tem os pés no chão, é enrolador e narcisista".
Enfim, futurologistas deitam e rolam, fazem horóscopos e mapas astrais, para saber quais os meses e dias bons para despachos e reivindicações.
Não têm nenhum compromisso lógico nem racional. Assim, não é de se desprezar detectar recomendações que envolvam fatores mágicos e a necessidade de vislumbrar aquela qualidade que Napoleão julgava essencial aos generais: ter sorte. Ministro, em reunião ministerial, não se deve sentar ao lado.
O Presidente, em geral, por canais que sempre são mantidos em grande sigilo, lê esses 'papers', que lhe são mandados por um amigo dileto, que a ele teve acesso, por prestígio de outro amigo que, por sua vez, é cliente especial dessa consultoria futurológica.
Ao final, há sempre uma anotação importante: "Esses dados foram obtidos por fontes fidedignas e profissionais que têm larga experiência no ramo de como conhecer as pessoas, fazer previsões, detectar terremotos e outras calamidades naturais e humanas. Observamos, contudo, aos clientes, que essas informações são, exclusivamente, da conjuntura, e as coisas, caso aconteçam alguns imprevistos, poderão mudar a curto prazo e, a longo prazo, viabilizar-se um cenário diferente deste que agora se nos oferece".
Outra coisa que circula nos meandros do poder é a "informação confidencial" ou "um mexerico de cocheira". Aparece também, nos primeiros dias de governo, mensagens psicografadas, de Juscelino e Getúlio, que mandam recados aos presidentes, delatam pessoas, firmas, autoridades e não raro advertem contra alguns auxiliares, sem faltar uma sugestão misteriosa: "Há em seu redor um homem que o sr. não deve confiar: cuidado com ele". É uma desgraça, ficam todos sob suspeição, até que o presidente termina o mandato sem descobrir a ovelha negra.
Sempre estive vacinado contra essas e outras vicissitudes de quem governa. Uma coisa que sempre me intrigou foi a capacidade que têm esses papéis de ultrapassar as rígidas barreiras que cercam o presidente. Como tinha fama de supersticioso, recebi de "um amigo anônimo, que deseja muito seu êxito, a expressa recomendação de não comer pão nem tomar vitamina C às sextas-feiras". Por via das dúvidas, resolvi tomá-las aos sábados.
Por fim, os patriotas só pensam no bem público, e a melhor maneira de promovê-lo é advertir o presidente contra os políticos e exaltar as excelsas qualidades que ornam Sua Majestade.
Mas, esse cargo, a gente só sente a noção do seu perigo quando, a primeira vez que entra no automóvel presidencial, ouve o segurança anunciar à Central: "Águia em deslocamento para satélite". Você pergunta "Que Águia é essa?". Ele responde: "Águia é o PR". Só, então, você sabe que Águia é PR e satélite é Palácio do Planalto: sigla e o destino.

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