São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 1995
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O muro e a Previdência

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – No varejo doméstico, presidido pelo neoliberalismo disfarçado em social-democracia do atual governo, a sabedoria reside no binômio Muro-Previdência. Trata-se de uma forma cabalística que serve para tudo, um tipo de maravilha curativa que fecha qualquer úlcera social.
Os trabalhadores de uma empresa vinculada a poderoso grupo internacional estavam seis meses sem receber salários. Fizeram greve. Depois das negociações habituais, o piquete grevista ameaçou depredar alguns equipamentos. Chamaram o presidente da holding –que devia o seu cargo, entre outros méritos, ao fato de saber tratar dessas questões.
O empresário mandou entrar em seu escritório um comitê de seis representantes dos grevistas, serviu cafezinho e água gelada, distribuiu uma flâmula da campanha contra os acidentes no trabalho e, em tom paternal, perguntou: "Meus filhos, vocês não sabem que o Muro caiu?"
De início, os grevistas não entenderam que muro era. Eles queriam receber seis meses de salário, somente isso. A que muro o patrão se referia? "Ao de Berlim, meus filhos, o socialismo já era, faliu vergonhosamente, vocês estão na contramão da história etc. etc."
A segunda parte do binômio é a Previdência. Impossível aumentar o mínimo escrachante, o governo é o primeiro a reconhecer a vergonha dos R$ 70 que não dão sequer para a cesta básica. Mas a Previdência, meus filhos, está falida. É demagogia pensar em aumentar os salários sem antes reformar a Previdência.
Mais da metade da classe trabalhadora, entre outros motivos porque não se alimenta nem se cuida devidamente, jamais chega aos umbrais da Previdência. Morre pelo caminho. Mas tudo bem, meus filhos. Ainda teremos uma Previdência exemplar, igual à dos congressistas, que em apenas oito anos garantem salário para o resto de seus dias na face da Terra. Por falar em terra, meus filhos, vocês estão com tudo, vocês herdarão a própria terra.

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