São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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Os sem-terra e os com-terra

JANIO DE FREITAS

Em razão de nota aqui publicada sobre os diferentes números de assentamentos citados pelo presidente da República, pelo Incra e pelo Movimento dos Sem-Terra, o senador Eduardo Suplicy pediu e obteve de Fernando Henrique e de Fernando Graziano, novo presidente do Incra, o compromisso de uma demonstração de todos os números e valores relativos à reforma agrária. Se respeitado o compromisso, na certa a demonstração será embaraçosa.
Um dos três vai ficar mal, e talvez dois. O presidente fala em 15 mil famílias assentadas; o ex-presidente do Incra, Brazílio de Araújo Neto, falou-me na quinta-feira em 20 mil até então e 22 mil até hoje; e o último número citado pelo Movimento foi a insignificância de 4 mil. Referências, sempre, aos nove meses do atual governo.
Nesse assunto, aliás, não só os números estão mal postos. O noticiário sobre a substituição no comando do Incra informou que Fernando Henrique, preocupado com o acirramento no campo, decidiu intervir, exonerou Brazílio e assumiu, por um preposto especialista, o controle da ação governamental. Aplausos gerais. Há, porém, outra maneira de registrar o episódio, bem mais recomendável.
Convencido de que o Movimento dos Sem-Terra, que não o engolira, continuaria agravando os conflitos até destituí-lo, qualquer que fosse o resultado real do seu trabalho, Brazílio Neto expôs essa opinião ao ministro Andrade Vieira, da Agricultura, e pediu exoneração, depois formalizada em carta.
O Movimento dos Sem-Terra repeliu Brazílio por dois motivos: é fazendeiro e foi indicado por Andrade Vieira, que o Movimento quer afastado por ser também fazendeiro e, ainda, banqueiro. A demonstração dos números do Incra, se acontecer, esclarecerá se a liderança dos sem-terra estava certa ou não. Mas, com qualquer resultado, é imprópria a sua premissa de que fazendeiro e banqueiro são, por isso só, adversários da reforma agrária. Não consta que Andrade Vieira o seja, com suas posições bem mais avançadas socialmente do que as do grande empresariado em geral.
Também não consta que Brazílio Neto seja contrário à reforma agrária, sendo bem possível que a demonstração dos números revele quantidade de assentamentos superior à dos últimos anos. E há dois dias a Folha publicava declarações favoráveis à reforma de ninguém menos do que o presidente de uma associação de fazendeiros da conservadora Ribeirão Preto.
Além disso, se proprietário de terras for, necessariamente, adversário da reforma agrária, as lideranças dos sem-terra deviam começar por aquele que a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) apoiou como candidato e apóia como presidente. A fazenda de Brazílio é, provavelmente, propriedade mais legítima e justificável.
Foi divulgado, quando da última visita do presidente Fernando Henrique às suas terras, que elas são constituídas por 9.500 hectares, que vêm a ser 95 milhões de metros quadrados. Dos quais apenas 2 milhões serviram para uma tentativa mal sucedida de cultivar soja. Ou seja, só em 2,1% da imensa área foi tentada alguma exploração. É isso que se chama de terra improdutiva e, para lembrar a Constituição, contrária aos fins sociais da propriedade.
Se forem corretas as dimensões divulgadas pelo ``Globo", insuspeito neste caso, seria aquela uma vasta área em que, a despeito da Contag, devia ser logo aplicada a reforma agrária.

Outros números
Quando o real completou um ano, em julho, a inflação nos 12 meses ficou em 35% pelo IPC-r. No mesmo período, o aumento dos aluguéis passou de 200%.
Nas últimas três quadrissemanas, que são o período de aproximadamente 30 dias encerrado a cada semana, a inflação pelo IPC ficou em 0,93% na primeira quadrissemana, 0,70% na segunda e 0,66% na última. Nos mesmos períodos, os aluguéis subiram 9,01, 8,47% e 7,72%. É a contribuição da sociedade fraterna entre o governo e a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis, cujo lucro é proporcional aos aluguéis cobrados.
Ainda assim, os custos do item ``habitação" ficaram em 3,78%, 3,27% e 2,83%. Graças ao desempenho dos preços de móveis, que teriam diminuído 1,09%, 0,92 e afinal subiram só 0,03%. E, sobretudo, aos preços de roupas de cama, mesa e banho, que teriam caído 1,59%, 4,82 e ainda 3,31%. Como todos compramos móveis e roupas de cama, mesa e banho todos os dias, por isso o nosso custo de ``habitação" ficou baixo, apesar dos aluguéis.
O milagre que não se faz nos bolsos é feito nos índices de inflação.

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