São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasileiros desbravam futebol chinês

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL A JINAN (CHINA)

Três jogadores brasileiros abandonaram o toque de bola carioca do Bonsucesso para enfrentar a correria do futebol chinês.
Na China, desde agosto, eles são os primeiros atletas da terra do futebol a jogarem na terra do pingue-pongue e chegaram com uma missão quase impossível: salvar o time do Sichuan do rebaixamento.
O zagueiro Fabiano, o meia Marcos e o atacante Marmelo, em suas carreiras no futebol chinês, acumulam duas derrotas e dois empates. Não marcaram nenhum gol e o Sichuan continua a amargar o último lugar na Série A do Campeonato Chinês.
``Os meninos precisam de tempo para se adaptar", diz o técnico Yu Dong Feny.
Mas eles devem correr contra o relógio: restam apenas sete partidas para o fim do campeonato.
Os jogadores do Bonsucesso vieram emprestados por quatro meses, numa transação feita pelo técnico do time carioca, Jairzinho, o ``furacão" da Copa de 70.
Eles vão embolsar US$ 2.500, praticamente o dobro do que receberiam para correr atrás da bola em campos brasileiros.
``Não viemos aqui apenas pelo lado financeiro", explica o carioca Fabiano, 22. Seu conterrâneo Marmelo, 23, dá um toque patriótico: ``Queremos representar o Brasil, e bem". O mineiro Marcos, 21, é mais calado e tímido.
Os representantes do futebol brasileiro despencaram na China sem dominar idiomas estrangeiros, sem nunca terem viajado ao exterior e com mais perguntas do que respostas sobre a China.
Foram parar em Chengdu, a capital de Sichuan, província famosa por ser a terra natal do líder comunista Deng Xiaoping e por ter uma comida apimentada.
A exótica culinária chinesa desponta como um dos obstáculos que os jogadores brasileiros não conseguem driblar.
Nas refeições, os jogadores do Sichuan costumam se dividir em três mesas. Duas oferecem pratos chineses, enquanto uma delas tem apenas três cadeiras.
São os brasileiros, que, separadamente, tentam saborear uma comida teoricamente ocidental: arroz, carne, ovo frito, salada de pepino e tomate.
``No começo, tentamos comer com o grupo, mas quando serviram estômago de porco, eu resolvi sair fora", conta Fabiano.
Os palitinhos chineses foram substituídos por garfo e faca.
Mas o problema principal dos brasileiros não se chama gastronomia, mas comunicação.
O intérprete Tai Ta Chin, que aprendeu português em Moçambique, não consegue traduzir com a velocidade de um ataque rápido.
No campo, é pior ainda. ``Fico tentando pedir calma, faço gestos, mas o chinês gosta mesmo é de chutão", relata Fabiano.
Ameaçado pelo rebaixamento, o técnico Yu Dong Feng aposta suas fichas no setor defensivo. Chegou a jogar com cinco zagueiros.
O esquema defensivo sacrifica o calado Marcos. O atacante ficou de fora do jogo de domingo passado, derrota de 1 a 0 para o Xangai, e só atuou por dez minutos contra o Jinan, no último dia 17.
``Estou jogando pouco porque venho de uma pancada na canela", explica o mineiro.
Mas as diferenças táticas fazem Marcos sofrer menos do que a distância da noiva no Brasil.
O casamento está marcado para dezembro. ``A moça escreveu uma carta para dizer ao Marquinhos que ia pedir a mão dele em casamento para a mãe", brinca Fabiano.
Os meninos do Brasil contam no calendário os dias que faltam para voltar. ``A experiência profissional é boa, aumenta o currículo, mas vivemos numa solidão muito grande", explica Marmelo.
A férrea disciplina chinesa também assustou. O treino físico é mais puxado e um horário rígido impera nos hotéis, nas viagens, e no alojamento, em Chengdu.
Cabe ao capitão do time, pontualmente às 22h, passar em cada quarto para arrancar os cabos das TVs e entregá-los ao técnico.

Texto Anterior: Renato volta para `salvar' o Fluminense contra Goiás
Próximo Texto: Esporte já bate o tênis de mesa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.