São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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`Brasil presta serviço ao preservar Amazônia'

Leia mais trechos da entrevista de Norman Myers à Folha:

Folha - Por que o sr. afirma que, durante as primeiras décadas do século 21, os conflitos serão motivados por problemas relacionados ao meio ambiente?
Norman Myers - A confrontação ideológica entre comunismo e capitalismo está superada. No entanto estão surgindo problemas sérios que dizem respeito à utilização dos recursos naturais.
Um exemplo é o uso abusivo da água disponível no planeta em atividades como agricultura, indústria e mesmo para o consumo doméstico.
No futuro próximo, quando tivermos uma população mundial duas vezes maior, teremos de consumir ainda mais água para produzir comida, energia etc. A disputa por recursos hídricos tende a se acirrar.
Além disso, terras férteis estão se perdendo por causa do desmatamento, que provoca erosões, aumento dos desertos e também diminui a quantidade de recursos hídricos.
Por fim, o aquecimento global da atmosfera está se aproximando. Esse conjunto de fatores pode levar a conflitos violentos entre nações nas próximas décadas.
Folha - Quem tem mais responsabilidade por esse desequilíbrio ambiental: os países desenvolvidos ou os em desenvolvimento?
Myers - O mundo enfrenta duas grandes ameaças ambientais: o crescimento populacional nos países em desenvolvimento e o consumo excessivo nas nações desenvolvidas.
A China tem 1,2 bilhão de habitantes; a Índia, 900 milhões. Já os Estados Unidos, com apenas 250 milhões de habitantes, ou 5% da população mundial, consomem 25% dos recursos globais e produzem 35% da poluição do planeta. Portanto, os dois lados são igualmente responsáveis.
Folha - O que o sr. quer dizer quando fala de interdependência?
Myers - Os EUA consomem 25% dos combustíveis fósseis. A queima desses combustíveis é responsável por 50% do aquecimento global, que levará à elevação do nível dos mares. Quando isso acontecer, um quinto do território de Bangladesh será inundado, cidades como Rio de Janeiro e Recife serão afetadas.
Interdependência significa que o Brasil e Bangladesh dependem dos Estados Unidos para deter o processo de aquecimento global. Já os EUA dependem da China, que obtém grande parte de sua energia da queima de carvão.
No mundo de hoje, não existe nenhum país que seja completamente independente dos outros, inclusive em termos econômicos. A chuva ácida causada pelo Reino Unido atinge a Noruega e a Alemanha. Os ventos não precisam de passaporte.
Folha - Quando os líderes políticos perceberem essa ameaça já será tarde demais?
Myers - De certa maneira, já é tarde demais. Mas os líderes estão a par. Na Eco-92, por exemplo, as nações desenvolvidas comprometeram-se a reduzir as emissões de poluentes na atmosfera para níveis registrados em 1990 -isso até o ano 2000. Nenhuma delas deve atingir a meta.
Isso acontece porque é muito difícil convencer a opinião pública de que problemas ambientais são uma real ameaça à segurança nacional.
Folha - O sr. é especialista em florestas tropicais e já esteve no Brasil e na Amazônia diversas vezes. Na sua opinião, que tipo de desenvolvimento deve ser procurado para a região?
Myers - O desenvolvimento precisa preservar o meio ambiente, o que não quer dizer que a Amazônia deva ser transformada em um imenso parque nacional. Há uma série de atividades que trariam mais lucros que a criação de gado e a venda de madeira.
Também acho que seria legítimo o Brasil receber recursos de outros países em troca da preservação da região. A Amazônia é um imenso depósito de carbono. Quando uma árvore é queimada, o carbono, em contato com a atmosfera, forma dióxido de carbono, substância em grande parte responsável pelo aquecimento do planeta.
O Brasil presta um enorme serviço ao resto do mundo ao manter essa reserva de carbono estocada em suas árvores. O resto do mundo deve pagar por isso.
Folha - E os países estão dispostos a fazer isso?
Myers - Existe muita relutância, mas eles terão de considerar o serviço prestado pelo Brasil, especialmente quando o aquecimento global começar a mostrar todos os seus efeitos.

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