São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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Estado é moeda

Vários planos depois, finalmente torna-se clara a mais essencial e verdadeira causa da inflação: a incapacidade de a sociedade mudar suas relações com o Estado.
Fala-se que a grande meta é a estabilização da moeda e com razão. Mas falta dizer: não há moeda se não há Estado digno de crédito.
Do ponto de vista econômico, o resultado das urnas é sempre insuficiente para definir como, em que velocidade e com o sacrifício de quem será possível reformar o Estado. Aliás, no Brasil vota-se ainda muito na pessoa, com tudo o que ela carrega de símbolos coletivos.
Mas, para estabilizar a moeda, é necessário reformar o Estado, e para reformar o Estado é preciso desarmar e vencer resistências políticas, corporativas, regionais, setoriais e sociais, que o resultado das urnas, por si só, não explicita.
O governo encontra-se hoje enredado numa ampla gama de iniciativas de reforma do Estado, numa dispersão de energias e escassez de prioridades que enfraquece a própria reforma. Enfraquece portanto o Estado e pode, no limite, enfraquecer a moeda.
O máximo de prioridade que o governo consegue ``eleger" é a reedição do Fundo Social de Emergência e não porque seja uma opção, mas porque o ano está acabando. Se o FSE não puder ser reeditado, haverá um enorme buraco fiscal previsto para o ano que vem. Ano eleitoral, diga-se de passagem.
O que se vê, portanto, é um projeto transparente e ambicioso, enunciado na campanha eleitoral, ser devorado sem piedade por todos os que se consideram no direito de amparar-se no Estado para escapar dos custos da estabilização.
No momento que é, novamente, de emergência, é ainda mais cínico pretender que a reedição do remendo tenha uma validade de quatro anos, como pretende o governo. É ao mesmo tempo o reconhecimento público de que já não se conta com o horizonte do mandato para levar a cabo as reformas necessárias. Nesse ínterim, pede-se mais um cheque em branco.
A reedição do FSE consagra novamente a transitoriedade e a improvisação na questão da reforma do Estado. Foram elas a causa maior dos fracassos anteriores. Nesse campo, são urgentíssimas providências duradouras, estruturais.
Estado e moeda são os dois lados de uma mesma realidade político-econômica. Querer estabilizar a moeda sem lançar as bases de uma reforma definitiva do Estado é o mesmo que buscar uma pedra filosofal. É uma alquimia que geralmente termina em demagogia.

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