São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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Demorando Henrique Cardoso

JOSIAS DE SOUZA

Dia 27 de abril de 83. Fernando Henrique Cardoso ocupa a tribuna do Congresso pela primeira vez. Em seu discurso de estréia, cita um trecho de ``A Política como Vocação", de Max Weber.
Disse: ``A política é como a perfuração lenta de tábuas duras. Exige tanto paixão como perspectiva (...) o homem não teria alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse tentado o impossível".
Dia 1 de janeiro de 95. Fernando Henrique posta-se novamente diante dos microfones do Congresso, para um outro discurso de estréia, dessa vez na Presidência da República.
``Este é o grande desafio do Brasil neste final de século: justiça social." A frase arrancou aplausos da audiência. ``Será esse o objetivo do meu governo".
Passados nove meses de mandato, a principal obra do presidente Fernando Henrique é o Real, um plano econômico que está espetado na biografia do ministro da Fazenda Fernando Henrique.
A última pesquisa do Datafolha, publicada nesta edição, é um bálsamo para Fernando Henrique. Dá-lhe 42% de avaliação positiva. Nada que se assemelhe aos 70% obtidos pouco antes da posse. Mas ainda uma taxa confortável.
Também o Real conserva notável vigor: conta com a aprovação de 68% da população. Condutor do processo que resultou na criação da nova moeda, Fernando Henrique merece saborear cada número. Na média, seu desempenho é, de fato, melhor que o de seus antecessores.
Mas convém reparar um outro dado da pesquisa. O mais importante, aliás. Refiro-me ao aumento do percentual de reprovação do Real. Nos últimos 12 meses, a taxa saltou de 10% para 23%, mais que o dobro.
Passa da hora de o governo mudar de assunto. Do ponto de vista do brasileiro, a demanda por inflação baixa é coisa superada. Cobra-se do presidente que se volte com decisão para o desafio de que falou em seu discurso de posse.
No Brasil de hoje, a justiça social é uma das ``tábuas duras" do raciocínio de Max Weber. Para perfurá-la, o Fernando Henrique de 95, mais gordo, cabelos nevados, terá de revisitar o Fernando Fernando Henrique de 83. O presidente do possível precisa reviver o senador da pregação em favor da tentativa do impossível.

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