São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A necessidade de decidir

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

É claro que, sem sacrifício, não se derruba uma inflação de 45% ao mês. Desinflacionar é sempre uma tarefa dolorosa que, necessariamente, impõe perdas, mudanças de hábitos e reorientação dos negócios. Medidas fortes são inevitáveis para se restaurar a saúde da moeda.
Até aí, tudo bem. Isso faz parte das primeiras lições de qualquer manual de desinflação. No caso brasileiro, é preciso saber, porém, 1) se a doença foi realmente debelada; 2) se os remédios não geraram outras moléstias de igual gravidade.
A primeira questão é intrigante. Para garantir a estabilidade, o governo elevou os juros reais nas nuvens -mais de 30% ao ano-, provocando uma explosão da dívida interna que, em apenas um ano, saltou de US$ 60 bilhões para mais de US$ 90 bilhões, ultrapassando a externa. No ano passado, pagamos US$ 14 bilhões de juros para a rolagem das dívidas; neste ano, pagaremos mais de US$ 24 bilhões, sendo que o grosso é para a dívida interna.
Temos hoje um recorde nas reservas cambiais, é verdade -quase US$ 50 bilhões-, mas uma boa parte desse número sedutor decorre de entradas maciças de especuladores que aqui chegam para se beneficiar da maior remuneração do mundo. Estamos diante de uma bomba-relógio. Apesar do ligeiro alívio desta semana, os juros prevalecentes farão a dívida interna chegar a um nível de difícil controle.
O mais grave é que, ao longo do caminho, o remédio usado está provocando outras doenças. A retração de vendas é uma delas, e a manifestação mais dolorosa é o desemprego. A inviabilização dos investimentos produtivos é outra, e a consequência mais séria é o seu potencial inflacionário. Vejam o que acontece na agricultura: juros estratosféricos fizeram reduzir a área e o plantio desta safra.
Quando se leva tudo isso em conta, chega-se à conclusão inquestionável de que os juros atuais constituem uma ameaça certeira ao sucesso do Plano Real. Até quando vamos ficar impassíveis? Por quanto tempo vamos discutir se estamos em recessão, resfriamento ou desaquecimento?
Neste momento, vê-se um governo interessado e mobilizado para prorrogar o Fundo Social de Emergência até o fim deste milênio e, com isso, garantir a saúde das finanças públicas. Nada igual -nem de perto- é feito para garantir a saúde das finanças das empresas e dos seus trabalhadores. Os que especulam continuam ganhando na maciota. Os que produzem vão passando um atestado de burrice.
A continuar assim, pergunto, o que será do Brasil de amanhã? De onde virão os produtos? Do exterior? De onde virão os empregos? Também do exterior?
Essa insistência na prática de juros impossíveis revela o artificialismo sobre o qual se assenta uma boa parte do Plano Real. Ancorar é preciso. Câmbio e juros tiveram o seu papel. Mas essas âncoras -como toda âncora- teriam de manter o barco à tona e não puxá-lo para o fundo. Com todo respeito à nação vizinha, nessa marcha o Brasil será transformado, em breve, num imenso Paraguai onde tudo se troca e pouco se produz. É isso o que queremos?

Texto Anterior: Rua Mila
Próximo Texto: GESTAÇÃO; ÁGUA FRIA; CONVALESCENÇA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.