São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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Igreja Universal faz da TV instrumento vibrante

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Um programa de TV não é uma emissão qualquer interrompida de tempos em tempos por anúncios. É, ao contrário, uma série de anúncios intercalados por programas.
Essa pequena mas decisiva inversão determina em grande parte a natureza da TV e o mundo em que vivemos: ela é por excelência o veículo do consumo, aquele pelo qual se criam desejos e necessidades.
Pode-se dizer que o cinema também é. Mas sua atuação é indireta, distante. A imagem do cinema é sacra. A imagem da TV é profana.
Esse caráter profano da imagem de TV transparece especialmente nos comerciais. Por mais que suas imagens busquem a sofisticação, produzem algo concreto: de sabão em pó a carro estrangeiro esses objetos devem ter algo de imediatamente acessível.
É esse mundo novo, admirável ou não, que a Igreja Católica custa a abordar e que as igrejas pentecostais, em particular a Igreja Universal, tocam com tanta intimidade.
Não é que elas sejam profanas e a Igreja Católica, não. Mas a via do catolicismo é a da hierarquia, da tradição, do mistério, do rito. Uma teologia distante, que se adaptou ao cinema, mas não à TV.
Daí a Redevida -rede de TV católica em UHF- ser um sonífero formidável, enquanto a "25ª Hora" ou o "Palavra de Vida" são instrumentos vibrantes, perfeitos para comunicadores como o pastor Ronaldo Didini.
Ele pode ser o melhor, mas a rigor qualquer pastor dessa igreja é um bom apresentador de TV. Todos compreendem à perfeição o mecanismo dos programas de auditório. Neles, o apresentador é um demiurgo, alguém que se planta entre o homem e a divindade.
Em dado momento, a magia se produz. É como se o apresentador encarnasse a divindade. A partir daí, a massa o segue, porque aquela já não é expressão de um homem, mas de uma ordem.
Essa ligação direta entre o homem e Deus há muito que prefacia o surgimento de uma religião adaptada à TV. A Igreja Universal maximizou a tendência, difundiu-a em escala industrial.
Os católicos podem esperar uma sangria em suas hostes, enquanto não decifrarem esse enigma. Basta ligar a Redevida. Qualquer padre, qualquer bispo que aparece ali comunica-se com fiéis. Já os pastores da Record falam a espectadores (pessoas passíveis de aderirem à sua crença) e fazem proselitismo com eficácia.
A questão de fundo, a rigor, não é o crescimento numérico de uma religião à custa de outra. É, sim, a dificuldade de se comunicarem.
A era contemporânea criou o culto à diferença, ao respeito ao outro. A partir de certo momento, porém, o que existem são fundamentalismos. Uma série de outros incapazes de dialogar entre si. Isso já é o Irã. E a Bósnia: a perspectiva inquietante de a intolerância se instalar em toda parte.

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