São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995 |
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Brincando nos campos do senhor
DALMO MAGNO DEFENSOR
Atirando-se à frente, Higuita passa por baixo da bola e acerta-lhe um "coice" com os dois pés, mandando-a para fora da área. A torcida inglesa aplaude, o locutor americano grita "Crazy!", a pressão arterial do técnico colombiano sobe a 30 por 20 e imagens da brincadeira correm o mundo. Sentada em um sofá, fazendo companhia a um senhor que cochila, a mulher assiste sem muito interesse a uma partida de tênis na TV. "Poc" para lá, "poc" para cá, a bola sai. O jogador que tem o serviço prepara novo saque. Na rua, o repórter aborda um rapaz franzino e lhe pergunta o que pensa do casamento entre homossexuais. Quase ofendido com a pergunta, o rapaz diz que acha um absurdo, sem-vergonhice, coisa de anormais. O repórter lhe pede que aguarde enquanto outras pessoas são ouvidas, pois prefere gravar todas as respostas de uma só vez. Chegam dois brutamontes mal-encarados e o repórter lhes faz a mesma pergunta. Para surpresa e desconforto do rapaz franzino, eles se dão as mãos e afirmam que não apenas são favoráveis como formam um feliz casal gay. Em seguida, o repórter lhes pergunta o que pensam das pessoas que condenam uniões gays. Furiosos, dizem que "enchem de porrada" os preconceituosos que encontram -e um close no rosto do rapaz revela o mais puro terror. Pedindo à dupla que aguarde, o repórter finalmente se volta para o rapaz: "Muito bem, agora vamos gravar. O que você acha do casamento entre homossexuais?" O rapaz olha para o repórter, para os dois brutamontes e dá de ombros: "Acho que tudo bem, né, meu? Se os caras se gostam..." A brincadeira de Higuita passou no "Cartão Verde" e a do jogo de tênis, na "Pegadinha do Faustão", ambas no domingo passado. A "pesquisa" sobre casamentos gays foi exibida no "Topa Tudo Por Dinheiro", há alguns meses. Cada uma delas contém um desrespeito, uma incorreção política, que certamente foram aceitos com bom humor pelas "vítimas". O politicamente correto possui a inegável virtude de zelar pelos direitos individuais, mas, quando rigoroso, tem incômodo parentesco com o mau humor. Cada brincadeira tolerada é uma carta de renúncia a um mundo perfeito e absolutamente sem graça. Texto Anterior: "Crítica de Dávila não foi objetiva"; "Globo não gosta de coisas inteligentes?"; "Não aguento séries das quartas-feiras" Próximo Texto: Igreja Universal faz da TV instrumento vibrante Índice |
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