São Paulo, quinta-feira, 5 de outubro de 1995
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Ave Ibrahim!

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Repito o título de uma crônica que escrevi há mais de 30 anos, por ocasião da eleição do cardeal Montini para suceder, sob o nome de Paulo 6º, o papa João 23. Por motivos que não vêm ao caso detalhar, sou mais ou menos entendido nesses babados e li uma infinidade de besteiras na imprensa da época.
Ibrahim estava em Roma por acaso. Foi dele o único texto aproveitável e correto sobre os macetes cardinalícios. Era um lugar-comum reclamar de seus erros gramaticais e ortográficos. Mas o que interessava era a notícia, a informação de bastidor, e nisso ele foi insuperável na maioria das vezes.
Louvei-o no velho ``Correio da Manhã". E louvo-o agora, com a mesma admiração e respeito. Não fomos íntimos, certa vez presenteou-me com uma caixa de Montecristo nº 1. Numa das brigas com Ângela Diniz (ele teve um caso tumultuado com aquela a quem chamou de ``Pantera de Minas"), o meu nome foi citado e sobrou pancada para a moça, que mais tarde seria assassinada em Búzios.
Temperamental, inteligente, generoso, Ibrahim foi um tipo. De sua longa vivência no jornalismo, só teve de reprovável a sua atitude em abril de 1964. Evidente que ele combatera os excessos do governo deposto e tinha uma posição política transparente. Quando Stanislaw Ponte Preta chamou-o de 000 (alusão ao 007 do James Bond), Ibrahim absorveu o apelido no título de seu livro sobre Moscou.
Até aí, tudo bem. Mas embalado pelo clima da repressão, ele apontou alguns nomes aos prebostes da situação. Não precisava disso -nem o regime militar tampouco.
Nos últimos tempos andava meio por baixo. Teve a sabedoria de aceitar os fatos -ele que criou fatos e melhor do que ninguém soube divulgá-los. Tido e havido como homem de poucas ou nenhumas letras, inventou palavras, mexeu com a estrutura da própria linguagem. Marcou uma época no jornalismo. Foi um momento na história do Rio de Janeiro do qual ele foi cronista e personagem.

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