São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 1995
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Sem luz no final do túnel

NABIL GEORGES BONDUKI

A irracionalidade que tomou conta da prefeitura de São Paulo (ou a racionalidade das empreiteiras especializadas em túneis) mostra que os problemas urbanos da cidade não são fruto apenas da falta de recursos, mas da falta de bons administradores.
Abrir túnel é obra cara, mas às vezes necessária para atravessar obstáculos naturais intransponíveis. É o caso dos túneis cariocas, como o Rebouças -indispensável para atravessar a serra de Tijuca. Temos um exemplo: o túnel Nove de Julho, que cruza a av. Paulista, preservando o parque Trianon.
Outra situação em que túneis são necessários ocorre na implantação de sistemas de transporte expressos. Para que o sistema seja eficiente e haja adequada relação entre custo e benefício, esse túnel deve ter alta capacidade de tráfego, de modo que o investimento possa beneficiar grande número de pessoas.
É o caso do metrô, solução centenária e a única capaz de equacionar o problema dos transportes em cidades de grande porte.
Lamentavelmente, não é o que tem acontecido em São Paulo. Estamos pagando muito em dinheiro e em congestionamento por essa verdadeira orgia de túneis que se está fazendo de modo irresponsável.
O túnel Jânio Quadros (com duas faixas de tráfego para automóveis numa só direção) custou o suficiente para fazer 12 pontes em diferentes pontos sobre o rio Pinheiros, que resolveriam quase completamente os problemas de travessia do rio, um dos principais pontos de estrangulamento do tráfego.
O túnel sob o Ibirapuera, igualmente estreito, custou cerca de R$ 353 milhões, segundo dados do Sistema de Execução Orçamentária da Secretaria das Finanças do município. Sua capacidade máxima é de 3.100 automóveis, significando que, por hora, apenas 4.650 pessoas se beneficiam de tão elevado investimento. Tal gasto permitiria implantar cerca de 3 km de metrô, sistema que permite o deslocamento de 65 mil pessoas por hora, 14 vezes mais!
Essas intervenções não resistem à análise da relação custo-benefício. Alguém pode argumentar que o trânsito irá melhorar no entorno do túnel; seria melhor que nada. É uma visão superficial e ilusória.
Quando se realizam obras pontuais de elevado custo, sem prever um equacionamento definitivo dos transportes, as finanças ficam comprometidas e uma solução efetiva do problema fica cada vez mais distante.
O conjunto de túneis realizados e a realizar para ligar, apenas por automóvel, o Morumbi à av. 23 de Maio, com duas vias de tráfego em cada direção, custaria o suficiente para implantar mais de 10 km de metrô ou quase 400 km de corredores exclusivos de ônibus.
A única saída é investir em transporte coletivo. É óbvio, mas ainda se faz festa para comemorar a inauguração de túneis do desperdício. O certo é que a festa foi paga pela empreiteira que fez a obra e não pelos cofres da cidade. A cidade não tem o que comemorar: não há luz no final desses túneis.

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