São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 1995
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Crise marca centenário do cinema japonês

AMIR LABAKI
EM TÓQUIO

A um ano e meio da celebração de seu centenário, o cinema japonês parece longe de superar sua pior crise contemporânea. Cerca de 200 filmes foram produzidos no último ano, algo abaixo de 1993 (238) e muito menos do que o auge em 1960 (545).
Quando a "nouvelle vague" japonesa liderada por Nagisa Oshima, Yoshishige Yoshida e Shohei Imamura debutava nos anos 60, mais de dois terços do mercado eram movimentados pela produção nacional. Hoje, a proporção se inverteu e apenas um terço das estréias anuais são filmes japoneses.
Entre as duas datas, o Japão tornou-se o segundo maior mercado do mundo para filmes americanos. Na semana passada, das 116 salas de cinema de Tóquio elencadas pelo diário "The Japan Times" pouco mais da metade apresentava títulos americanos, enquanto um terço exibia a produção nipônica.
Não parece tão ruim, se comparada à proporção ainda mais favorável aos filmes hollywoodianos no Brasil (85% do mercado) e na Europa (em média, 75%). Mas essa recente perda da hegemonia no próprio mercado cala fundo no cinema japonês.
São tempos difíceis, reconhece o crítico Kyushiro Kusakabe, ex-presidente do Festival Internacional de Cinema de Tóquio. Alguns destaques recentes apontados por ele são ``Rio Profundo", de Kei Kumai, e ``Sharaku", de Masahiro Shinoda, considerados os filmes do ano. ``Mas só fizeram mediano sucesso de público".
Kumai, premiado em Veneza em 1989 por seu milimétrico ``A Morte do Mestre do Chá", está longe de ser um cineasta para multidões. Na última sexta-feira, Kumai anunciou à Folha que deve ir ao Brasil em agosto de 1996 para pesquisar o fenômeno dos dekasseguis, os mais de 150 mil nipobrasileiros que tentam anualmente ganhar a vida no Japão. ``Tenho muito que estudar", reconheceu Kumai.
Por sua vez, ``Sharaku" foi injustamente esnobado em Cannes-95. É um típico filme da segunda fase da carreira de Shinoda, longe das experimentações que o tornaram um dos líderes da nova onda dos anos 60 (``Beleza e Tristeza", 1965). Shinoda assina um ``jidai-geki" (filme de época) de fatura clássica sobre um dos mais misteriosos artistas japoneses, o Sharaku que empresta o nome ao título, um ex-ator acrobático que tornou-se pintor e revolucionou em apenas um ano de atividade (1791) o gravurismo japonês, ao retratar com inédito naturalismo as estrelas do teatro kabuki.
Mas não só cineastas veteranos fazem a hora no Japão. O ``cult" Juzo Itami, de ``Tampopo" e ``A Coletora de Impostos", pôs o parodismo pós-modernista e estreou na última semana em Tóquio seu primeiro grande melodrama, ``Uma Vida Tranquila", baseado num romance do Prêmio Nobel Kazenburo Oe sobre um jovem com problemas mentais. ``É um de seus melhores filmes", garantiu a Folha o crítico Tadao Sato. ``É uma pena que os produtores não tenham posto o filme no último Festival de Tóquio", ecoou Kusakabe. ``Os grandes estúdios não apoiam suficientemente o evento", reclamou.
Restaram a Tóquio-95 melodramas passadistas como ``Kura", de Yasuo Furuhata, exibido no encerramento, ou filmes franco-atiradores como ``Okaeri" (Voltar para Casa) do estreante Makoto Shinozaki, apresentado na seleção asiática. ``Okaeri" tem por trama central a crise de esquizofrênia que atinge uma ex-pianista, abalando seu burocrático casamento. O tema lembra Ozu, homenageado explicitamente por uma ponta de seu ex-intérprete-mirim Tomio Aoki, certos ``takes" citam Naruse, mas nada oculta o quanto ``Okaeri" é arrastado e superficial.
Nesse nostálgico neo-intimismo Shinozaki forma ao lado do também iniciante Hirokazu Kore-eda, que emplacou na competição de Veneza-95 seu ultraformalista ``Maborosi". Também aqui a personagem central perde o eixo e põe em xeque a harmonia familiar, devido a seguidas tragédias pessoais. Também aqui o estilo sobrepõe-se ao drama, sufocando-o mais que servindo-o. Os idolatrados Ozu e Naruse nada têm a ver com isso.
Já Quentin Tarantino tem tudo a ver com ``Cinco Homens" (Gonin) de Takashi Ishi, um dos sucessos do momento. O enredo, centrado no roubo de um chefão da yakuza (a máfia japonesa) por uma gangue de desesperados, remete a ``Cães de Aluguel". Na tradição japonesa, não seria exagerado classificar Ishi como um seguidor da escola de policiais céticos passados nas noites de Tóquio de Enzo Sugawa.
Mas garantia de bilheteria no Japão de hoje só mesmo nos novos episódios da série ``Tora-san", que encosta na marca dos cinquenta filmes dentro da mesma fórmula: o bom doutor Tora (Kyoshi Atsumi) viaja pelo país, Yoji Yamada assina a direção, os estúdios Shochiku cuidam do resto. Aliás, a Shochiku abre neste mês em Tóquio seu parque cinematográfico de diversões à moda dos estúdios Universal. Se filmes não rendem mais tanto assim, quem sabe a saída seja mesmo a nostalgia.

O crítico AMIR LABAKI viajou a Tóquio a convite da Fundação Japão.

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