São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 1995
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Nobel pesa pouco nos ombros de Heaney

MARK BRENNOCK
DO ``IRISH TIMES"

Seamus Heaney, laureado este ano com o prêmio Nobel, diz que é pouco provável que o prêmio mude a ele próprio, sua vida ou seu trabalho, mas que já está recebendo pedidos de entrevistas e palestras no mundo inteiro. ``O prêmio já mudou as coisas para mim", diz ele, ``o número de pessoas que batem à porta e assim por diante... mas depois de algum tempo as pessoas vão esquecer".
Por enquanto, muito poucas esqueceram. ``Hoje de manhã passei um bom tempo lendo os jornais, e Christopher e Michael (seus filhos) haviam gravado alguns dos noticiários -tudo isso me convenceu de que alguma coisa realmente aconteceu", diz Heaney.
Já lhe passou pela cabeça que a homenagem pode acabar representando um peso. ``Quando falo nela possivelmente se tornar um peso, não estou pensando no medo de escrever ou qualquer coisa assim -sempre tive esse temor, qualquer escritor tem. Só estou pensando no peso de ter que assumir as vestes de um laureado".
Voltando à Dublin (Heaney estava em férias na Grécia, quando o prêmio foi anunciado), o poeta encontrou-se com o presidente e o Taioseach chefe do governo da Irlanda do Norte), saiu para jantar com sua família e recebeu parentes em sua casa.
Heaney diz que não fazia idéia de que o prêmio Nobel estava sendo anunciado enquanto ele estava fora, e não pensava que fosse um candidato sério.
``Meu nome já havia sido mencionado algumas vezes. Fiquei perturbado com isso porque eu não achava que fosse uma possibilidade séria, mas achava que o fato de ser mencionado de algum modo desvalorizasse tudo".
``Havia um muro de ira entre o prêmio e eu. Também imaginava que essas notícias estavam sendo inventadas, em parte, por alguém. Eu sentia muito ceticismo em relação aos nomes das pessoas serem mencionadas para o prêmio Nobel e não sabia como as pessoas podiam afirmar saber disso".
Heaney disse que acha que sua conquista representa, de alguma maneira, o reconhecimento de um movimento que não envolve apenas poesia mas também prosa e outras formas de arte. De certa forma, Heaney vê o prêmio como reconhecimento de que a Irlanda se encontra à beira de algo importante em sua história.
``Observando o prêmio Nobel em relação a outros prêmios, você pode ver que sua concessão a pessoas como Nadine Gordimer, Derek Walcott ou mesmo a Joseph Brodsky obviamente teve relação com seu talento, mas que a escolha do momento para essa premiação foi histórica -no caso de Gordimer, não há dúvida alguma."
``Talvez a mesma coisa possa ser dita em relação a Toni Morrison -de certo modo se estava saudando a energia e o triunfo da mulher negra, que ela representa. É difícil separar a idéia que fazemos de nossa obra da idéia que temos do momento histórico".
O fato de Seamus Heaney ter ganho o prêmio Nobel pode alterar a percepção que as pessoas têm de sua obra. Elas terão consciência de estarem lendo a obra de um ganhador do Nobel, e não apenas a de um poeta irlandês.
``Sim, mas isso é problema delas, de certa maneira. Felizmente já vivi o suficiente para ver essas coisas acontecerem, e sou amigo de pessoas que já ganharam o prêmio, e isso tem sido tremendamente instrutivo para mim nesses últimos dois dias.
``Vi Brodsky agir com fantástica energia boêmia antes e depois de receber seu prêmio. Ele conservou uma enorme liberdade e falta de cerimônia, um sentimento de `e daí?' em sua vida e seu trabalho. Então sei, por esse exemplo, que é possível continuar a se conduzir como a gente se conduzia antes".
``Estou muito feliz por ter um livro de poemas manuscrito que já está nas mãos do editor, na verdade as provas já estão prontas, e também tenho um livrinho de traduções prestes a sair. Assim, entre setembro e o início do ano que vem, terei três livros saindo, e isso me dará tempo para fazer uma pequena pausa."
E quanto à questão vulgar do dinheiro?
``Não pensei sobre isso. Ainda não. Isso me assusta, de certo modo. Acho que é daí que vem boa parte da pressão. Muitas pessoas querem dinheiro, mas na verdade eu ainda não pensei sobre isso. Ainda não consigo pensar."
``Mesmo nos melhores momentos acho difícil pensar em dinheiro. Dinheiro é uma questão desesperadoramente vital quando você tem muito pouco. Mas se você tem o suficiente para viver, não pensa muito nisso."
Há algum aspecto da conquista do prêmio, do reconhecimento, do dinheiro, da platéia mais ampla que o prêmio trará, que poderá mudar a vida e obra do poeta?
``Deve haver, com certeza. A resposta mais curta é que não sei. Estou declarando minha intenção de me conduzir, na medida do possível, do mesmo modo como me conduzi até agora."
``Não acho que o prêmio vá mudar minha personalidade, nesta etapa de minha vida. Honestamente, não acho que vai afetar meu trabalho -posso estar enganado, mas acho que não."
``Se afetá-lo, espero que o afete para melhor. Ou seja, eu poderia ter uma espécie de liberdade para não me preocupar muito, coisa que venho buscando, de qualquer maneira. Liberdade para passar mais tempo sonhando acordado..."
``O que venho procurando fazer nos últimos três anos ou mais é me disciplinar, passar mais tempo sozinho, em silêncio, me dedicar mais a meu próprio trabalho, desde que terminou a coisa em Oxford. Tentar investir tempo, espaço e objetivo em meu trabalho. Criar tempo, criar espaço, porque o tempo está ficando curto".

Tradução de Clara Allain

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