São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 1995
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Vísceras e miúdos desafiam o apetite

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dobradinha, miolo, pulmão, coração, molejas, fígado, língua, rim e também tutano, sangue, cabeça e testículos são vendidos em feiras nas bancas de miúdos. São bancas que jamais têm fila.
Há os que adoram vísceras, os "foodies que não têm medo de descer na escala social comendo "cervelle au beurre d'oignons ou "tripes à la mode de Caen. Os políticos em campanha também não rejeitam um sarapatel ou buchada. É comida de pobre, de gente que mata o bicho e avança para que os miúdos não se estraguem.
Em muitos sacrifícios rituais as vísceras eram oferecidas aos deuses, mas nunca se teve notícia de que eles as tenham comido.
É um mistério essa antipatia urbana e civilizada por tudo que esteja dentro da carcaça do animal. Claro que é uma antipatia recente, de classe média urbana. Na escala de nossa implicância, figuram, pela ordem, os seguintes miúdos; olhos, testículos, coração, miolo e língua. Olhos para ver, testículos para procriar, coração para sentir, viver, língua para mastigar.
É o formato. Deve ser o formato. Passa-se anos indo ao açougue e mal se distingue entre alcatra, patinho, filé, picanha. Mas uma língua é uma língua. Há o medo de, ao mastigá-la, mastigar a sua própria sem distinguir a textura, o jeitão. O pulmão respira, o miolo nos dá o Q.I. do boi de bandeja.
É tudo muito íntimo, visceral, lá do fundo, não há como disfarçar com molho branco. Se for bem-disfarçado, como num patê untuoso ou num bife de minhocuçu, tudo bem. O que os olhos não vêem o coração não sente.
A madrasta de Branca de Neve, muito louca, mandou pedir o coração da menina. Deveria ter pedido o fígado, que é a sede da alma. Quem viu "Dança com Lobos viu os caçadores de búfalo comendo fígado fresco, passado de mão em mão como musse gotejante.
O fígado transmite ao caçador a força, a sabedoria do animal abatido. Para torná-lo mais palatável, era salpicado de fel, o que realçava e dava contraste àquele doce "sabor de ostras cruas.
Nas guerras, nos tempos de comida racionada, adivinhem o que não era racionado? Adivinharam.
E todo mundo, na hora H, na hora da fome braba, só queria uma sopa de cabeça de carneiro, uns bolinhos de miolo. O açougueiro tinha que fazer sorteio, quase um bingo, para evitar briga. No fundo é tudo frescura e, na hora do aperto, é só fazer das tripas coração.

Risoto de dobradinha
Compre 300 g de dobradinha já limpa e branqueada. Coloque-a em uma panela no fogo, com água fria que a cubra, e junte uma cebola, uma cenoura e sal até ferver. Deixe no fogo médio por cerca de uma hora. Retire a dobradinha da água e corte-a em tiras de 2 cm.
Enquanto isso, ponhas umas seis xícaras de caldo de carne com sal, mas não muito, para ferver.
Aqueça umas três colheres de óleo numa panela, junte cebola e alho picadinho, dois tomates pequenos picados, um raminho de alecrim, umas duas tiras de bacon e refogue bem.
Junte meia xícara de arroz italiano para risoto. Junte a dobradinha e comece a adicionar o caldo de carne à panela, de concha em concha, à medida que o arroz vai secando. Depois de cerca de 20 minutos o arroz vai estar pronto. Junte um terço de xícara de parmesão e o risoto está pronto.

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