São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O caso Simpson e o Brasil

JOSÉ SARNEY

Há no caso Simpson uma face da tragédia racista americana e uma lição de caráter universal que é a utilização da Justiça como instrumento de uma ideologia.
Todos sabemos que o boxeador Mike Tyson foi condenado por crime de assédio sexual, num tribunal em que os jurados eram brancos. Ele provou do saibo amargo da condenação, e ficou no ar um cheiro de injustiça e de facciosismo dos seus julgadores.
Num caso e noutro a motivação da decisão não foi a de fazer justiça, mas a de transformá-la numa arena da luta de raças. É incompreensível como um país, os Estados Unidos, capaz de levar um homem à Lua, de liderar o mundo, transformando-se em superpotência, tenha sido incapaz de equacionar de maneira correta, de respeito pelos direitos humanos, o problema racial, que já causou muitas distorções naquela sociedade, derramou muito sangue, mas se apresenta insolúvel.
Agora, esse episódio nos mostra uma outra etapa dessa tragédia: o envolvimento da Justiça, do direito, como um instrumento na luta racial. Cada um, por seu lado, acha que a Justiça é uma coisa que deve ficar à margem quando fala o sangue.
Albert Speer, ministro dos armamentos de Hitler, afirmou, no Tribunal de Nuremberg, jurando inocência quando viu o filme dos campos de concentração e da morte dos judeus, que aquilo era uma lição para a humanidade: o perigo de colocar a tecnologia a serviço de uma ideologia. A Alemanha tinha sido o primeiro país a pôr seu esforço científico a serviço da ideologia de superioridade racial.
A lição universal do caso Simpson é o perigo de colocar-se a Justiça dentro do círculo de ferro da intolerância. A Justiça é o que de mais alto o homem descobriu para possibilitar a convivência humana. Ela é para todos, ela não tem olhos para ver as partes, mas tem olhos para ver o direito. Dizia o padre Vieira que, por isso, os antigos simbolizavam a Justiça com os olhos vendados, prova de que não era cega.
A Justiça não vê ricos nem pobres, católicos e protestantes, nacionais e estrangeiros, brancos ou negros. Ela vê a lei, o direito, a submissão de todos ao que é justo.
Um país que não tem justiça ou que está a serviço de classes ou raças não oferece condições de vida a ninguém. Dele devemos fugir. Pois bem, a luta racial, agora, nesse episódio trágico, pode destruir aquela sociedade.
Quero tirar uma lição para o Brasil. Em nossa democracia racial um caso Simpson jamais poderia existir. Mas começa a surgir uma corrente do direito, chamada alternativa, que pode degenerar em marginal da lei.
E mais que isso, outro dia, li a entrevista de um juiz falando na necessidade de criar-se uma Justiça dos pobres. Espécie de Justiça da Libertação! Seria a pior das injustiças.
Lembrei-me de uma história que se contava de um juiz venal. Recebeu uma parte, que lhe disse: ``Eu tenho o direito, seu doutor". Ele respondeu: ``Já que o senhor o tem, vamos dar à outra parte que, não tendo direito, precisa mais...".

Texto Anterior: Recurso de perua
Próximo Texto: JUSTIFICATIVA; PREVISÃO; CONSCIÊNCIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.