São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Morte de deputado marca o fim de um estilo

MUNIZ SODRÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com a morte de Amaral Netto, desaparece um dos últimos vestígios de um estilo existencial político-jornalístico, cujo eixo cultural estava centrado na figura (no sentido hegeliano de estrutura intelectiva da realidade) de Carlos Lacerda.
Isso significa uma espécie de uso da consciência pequeno-burguesa das grandes cidades em função de uma religião obtusa da ordem, que sempre tentou fazer crer na moralidade conservadora e na tecnicidade das soluções sociais como fundamentos de uma política reformadora do Estado.
O tom moralista e restaurador, que tanto seduzia os leitores e eleitores de Lacerda já se achava presente no tablóide "O Maquis", dirigido nos anos 50 por Amaral Netto.
Em meio a artigos às vezes bem- cuidados e em geral cheios de referências culturalistas (citações, argumentos de autoridade, apelos modernizadores etc.), desenhava-se a oposição ferrenha ao desenvolvimento de Juscelino Kubitschek.

Lacerdistas
Esse mesmo fundo ideológico -motor da sedução das "mal-amadas" lacerdistas, dos reformadores de consciência à maneira do padre Peyton (lembram-se? Um dos inspiradores de eventos tipo Marcha com Deus pela Liberdade)-, que poderia ser mais bem-caracterizado como um jacobinismo udenista radical, se estenderia muitos anos depois ao programa televisivo "Amaral Netto, O Repórter".
Na televisão, Amaral Netto aproveitava o filão cinematográfico do Jean Manzon, junto com um misto editorial da velha revista "Cruzeiro" e da multicolorida "Manchete".
Vendia, paradoxalmente, um certo clima juscelinista (o Brasil Grande com suas riquezas inesgotáveis, o mito do bandeirantismo, a prodigalidade de nossas matas) com roupagem lacerdista.
Na verdade, "vendia" um país "à côté" da realidade, fictício na forma em que era apresentado, em total desacordo com o que diziam os teóricos da Cepal ou dos cultores da Teoria da Dependência, tão bem representados pelo atual presidente da República.
O Brasil de Amaral Netto era tão anacrônico quanto a Praça Paris de Nelson Rodrigues ou a Curitiba de Dalton Trevisan. A diferença é que Nelson e Dalton fazem arte.
Amaral Netto fazia, como pano de fundo de suas imagens tranquilizantes, uma pregação de temas anacrônicos e raivosos, como a pena de morte, a caça dos livres-pensadores e quejandos.
Era a face mais rebarbativa do poujadismo de Lacerda, esse primeiro herói da classe média conservadora do Rio e São Paulo.
Na televisão, antecipou a Era Médici. Na vida real, carregou a imagem esmaecida de uma ordem definida como direita política

Texto Anterior: FRASES
Próximo Texto: PF ignora descrição de suspeito de atentado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.