São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 1995
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Eu tenho um ódio...

GILBERTO DIMENSTEIN

É mais negócio ser mendigo em Nova York do que professor de ensino público em São Paulo ou no Rio. Não exagero.
Nos períodos de maior afluência de turistas, um mendigo em Nova York ganha, em média, US$ 300 por mês, o que equivale a três salários mínimos brasileiros.
Detalhe: ao contrário de nossa professora, o mendigo aqui tem abrigo e alimentação gratuitos, oferecidos pelo governo ou por entidades de caridade.
Uma imigrante ilegal que se disponha a trabalhar como faxineira fatura diariamente US$ 60; no final de 30 dias, vai ter no bolso cerca da metade do salário médio de um professor universitário brasileiro. Ou o mesmo de um médico em pronto-socorro público.
O salário médio de um trabalhador americano é US$ 3.000; a renda per capita é de US$ 25 mil, dez vezes maior do que a brasileira. O negro está abaixo da média. Um em cada três jovens negros está na cadeia ou sob liberdade vigiada, sintoma de apartheid social. Um deles, porém, melhora de vida e ingressa na classe média.
Apesar de todos esses dados, arrisco dizer que a tensão social nos EUA é, hoje, maior do que aí -aliás, não são poucos os analistas que introjetam em suas projeções o risco de mais explosões do tipo Los Angeles. Impossível?
O tamanho da frustração entre os negros tem a medida de, pelo menos, 400 mil pessoas reunidas em Washington, anteontem, convocadas por Louis Farrakhan, um misto de Edir Macedo e Fernando Collor. Ninguém imaginou que ele fosse tão longe e se tornasse o principal líder negro do país.
No seu exotismo, ele mistura a paixão pelo violino com ataques raivosos contra brancos, em particular judeus (chegou a elogiar Hitler), desprezo aos católicos, protestantes e homossexuais. E, ainda por cima, coloca as mulheres numa condição subalterna -nem sequer convidou-as a ir à marcha, pedindo que ficassem em casa.
Tipos como Farrakhan, Macedo e Collor deveriam sempre nos lembrar de um perigo: frustração crônica produz embustes. Cedo ou tarde, os negros brasileiros vão acabar acordando.
O negro brasileiro é, essencialmente, um alienado, o que reflete a alienação da imensa maioria dos pobres. Sofre no Brasil mais discriminação do que sofreria nos EUA -e, passivo, não reage. Se nascesse nos EUA, nosso negro teria, como no Brasil, uma boa chance de ir para a cadeia. Mas, em compensação, uma em três de virar classe média.
Apesar dos pesares, o negro aqui está em altos postos no governo, nas universidades, na Suprema Corte. O conto da democracia racial no Brasil é tão forte que engana os próprios negros. Pode apostar que a moleza vai acabar.
PS - Poucos personagens influenciaram mais minha visão de mundo do que Luther King, que coloco no mesmo nível de Gandhi e Nelson Mandela. No mesmo lugar em que ele proferiu um famoso discurso ("Eu tenho um sonho), um fanático como Farrakhan entusiasmou tanta gente dizendo, no fundo, "Eu tenho um ódio. Talvez seja o sinal mais inequívoco da decadência moral deste país.

Poucas coisas são mais perigosas do que misturar política e fanatismo religioso. O episódio do ataque à imagem de Nossa Senhora pela Igreja Universal é o preço que se paga à pobreza, à má distribuição de renda e à deseducação. Os políticos deveriam se penitenciar pela promiscuidade na distribuição de veículos de comunicação.

O brasileiro Stephen Kanitz tornou-se um dos consultores mais procurados por investidores interessados no Brasil. Motivo: desde o início, ele sustentou (e foi ridicularizado por isso) que o país estava em fase de crescimento e ninguém deveria se espantar com a onda de concordatas.
Pode-se incluir mais gente nessa seleta galeria de consultores que não se impressionou com a barulheira e acertou as previsões. Por exemplo: Antoninho Marmo Trevisan e Mailson da Nóbrega.

Uma equipe do Banco Central concluiu ontem sua tarefa em Nova York: investigar os bancos brasileiros nos EUA. A visita provocou pânico em determinados segmentos aí: suspeitou-se de que os técnicos veriam contas clandestinas, informando à Receita Federal. Pânico injustificado.

A CIA é capaz de ajudar no esforço contra a corrupção no Brasil. Depois do fim da Guerra Fria, a CIA estabeleceu como prioridade zelar pelos negócios de empresas americanas no exterior -investigar se esse ou aquele funcionário recebeu suborno numa concorrência internacional. O caso Sivam (o sistema de radares da Amazônia) foi apenas o começo.

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