São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 1995
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A formiguinha e o elefante

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Em política, não há impossibilidade que sempre dure nem inimizade que nunca se acabe. Observe-se, bem a propósito, o que está ocorrendo agora no Congresso.
A proposta de reforma administrativa do governo fez da palavra "impossível" um vocábulo em transição no Legislativo. Produziu-se o inimaginável: a união do PT e adjacências com o grande Pefelê, que inclui parcela do PMDB.
O fenômeno demonstra que, no universo dialético em que vivem os partidos políticos, o cruzamento de seres tão distintos como a formiga e o elefante não chega a caracterizar uma anomalia genética.
O pretexto para o casamento esdrúxulo da esquerda corporativa com a direita clientelista é a defesa dos interesses do funcionário público. Nada mais falso.
O petismo deseja, na verdade, preservar no aparelho estatal o banco de sangue que vem sendo vampirizado pela CUT, seu apêndice sindical. E o pefelismo resiste em abrir as porteiras do curral que tem lhe rendido votos nas áreas mais pobres do país.
O que faltava para cimentar a aliança entre as duas facções era um inimigo comum, um Saddam Hussein em quem todos pudessem bater sem piedade. O "satanás" catalisador é Bresser Pereira.
O curioso é que, em sua essência, o processo repete algo que se observou na última campanha eleitoral. Em 94, para exorcizar Lula, "demônio" de então, o Pefelê uniu-se ao PSDB em torno de Fernando Henrique.
A situação atual demonstra, mais uma vez, que, dependendo do tema em discussão, a propalada base governista não passa de ficção. No debate de ontem, na Comissão de Constituição e Justiça, coube ao petista Milton Temer (RJ) a liderança de um movimento para aprovar moção em defesa do peemedebista José Luiz Clerot (PB), vítima de supostos ataques de Bresser. O desagravo forçou Bresser a remeter à comissão carta em que chama o advogado Clerot de "grande jurista".
A reengenharia genética, que faz com que o PT tenha os seus instantes de Fernando Henrique, pode transformar a reforma administrativa num monstrengo. Ainda que obtenha vitória parcial na Comissão de Constituição e Justiça, o governo terá de suar para apartar a formiga do elefante.

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