São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 1995
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Parque jurássico

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ao contrário do que às vezes se imagina, o brasileiro só se interessa por assuntos brasileiros. Do resto do mundo, temos apenas uma vaga idéia. Só nos preocupa, realmente, o que acontece aqui.
Pode parecer que estou exagerando. Mas não, de forma alguma. Faça o leitor um pequeno esforço de introspecção. Qual foi a última vez em que se mobilizou, se entusiasmou ou se emocionou por um tema ou acontecimento internacional? Normalmente, uma conversa entre brasileiros, quando chega à esfera internacional, morre em questão de minutos e logo retorna a temas nacionais ou locais.
A primeira reação do brasileiro quando acontece algo de extraordinário na política ou na economia internacional, por exemplo, é perguntar: "Qual o efeito sobre o Brasil?" Ou então: "Que lição tirar para o Brasil?" Raramente se vai muito além disso. A nossa atenção se concentra, como se sabe, no Primeiro Mundo, onde buscamos, em geral, apenas as modas, as últimas (e muitas vezes falsas) novidades, as palavras de ordem e os padrões de consumo.
Como não nos damos ao trabalho de entender o que se passa fora do Brasil, somos presas fáceis para a propaganda enganosa que circula pelo mundo à procura de clientes ingênuos. E sempre temos aqui uma multidão de economistas, políticos, jornalistas, ministros e ex-ministros dispostos a fazer o trabalho de tradução e divulgação das supostas tendências internacionais. Muitas vezes engolimos versões ultra-simplificadas, tipo Walt Disney, sobre o que acontece no mundo.
A propaganda acaba tendo os seus efeitos. Nos últimos anos, a nossa política econômica e internacional vem resultando, em certa medida, de um processo de adaptação passiva não às mudanças mundiais, tal como realmente ocorrem, mas a uma versão construída para consumo na periferia latino-americana.
Vamos a um exemplo. Qualquer brasileiro "up-to-date" acredita piamente que o Estado nacional, e em especial a sua intervenção no campo econômico, está definhando em toda parte, ou pelo menos nos países bem-sucedidos. E que a crise brasileira pode ser atribuída, em grande parte, à nossa jurássica resistência a essa tendência global.
Um exame dos dados agregados das economias desenvolvidas, publicados pela OCDE, já é suficiente para lançar dúvidas sobre essas suposições. Nos sete principais países desenvolvidos (o chamado Grupo dos Sete -G-7), a participação do gasto do setor público (inclusive unidades subnacionais) no PIB aumentou de 35,5% em 1978-80 para 40,2% em 1992-94.
Em todos os integrantes do G-7, registrou-se aumento da relação gasto/PIB. Num grupo maior de 19 países desenvolvidos membros da OCDE, apenas dois tiveram queda na participação das despesas públicas no PIB nesse período.
No que se refere à carga tributária, a tendência geral é semelhante. No G-7, a relação entre as receitas correntes do governo (incluindo unidades subnacionais) e PIB aumentou de 33% em 1978-80 para 36,3% em 1992-94. No grupo de 19 países desenvolvidos, só a Inglaterra teve diminuição da carga tributária no período.
Tudo isso ocorreu, vejam bem, em plena época de triunfo do "neoliberalismo". Como o gasto público cresceu, em geral, mais do que as receitas, os déficits aumentaram em 14 dos 19 países.
A dívida pública cresceu como proporção do PIB em todos os países, com exceção da Inglaterra e da Noruega. No G-7, a dívida bruta do setor público aumentou de 42% do PIB em 1978 para 70% em 1994. No mesmo período, a dívida líquida passou de 21% para 40% do PIB.
Quanto ao emprego público, dados reproduzidos na revista "The Economist" também projetam uma imagem algo diferente da que estamos habituados a receber.
Num conjunto de 15 países desenvolvidos (que inclui o G-7, mais sete europeus e a Austrália), 13 países registraram aumento da participação do emprego público no emprego total entre 1970 e 1994. Só nos EUA e na Inglaterra houve queda nessa participação, e só no segundo caso essa queda foi significativa.
Preguei uma peça num amigo, jornalista econômico e arauto da modernidade. Mostrei-lhe alguns desses dados, dizendo que eram da América Latina. O seu comentário, tipicamente brasileiro, foi: "Assim nunca vamos chegar ao Primeiro Mundo!"

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