São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 1995
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IPA e câmbio: âncora, "ma non troppo"...

PAULO KLIASS

Desde a implantação do Plano Real, há mais de 18 meses, a questão cambial vem merecendo debates e polêmicas na sociedade brasileira. A mágica da conversão da URV em 1º de julho do ano passado conferiu à nova moeda, o real, uma condição inédita na história das inúmeras moedas brasileiras em sua relação com o dólar: a paridade.
A partir de então, as expectativas de continuidade da tendência histórica de desvalorização cambial acabaram sendo frustradas pelo aumento expressivo do ingresso de recursos externos na economia.
Para tanto, as altas taxas de juros cumpriram papel fundamental e o governo passou a adotar cada vez mais o câmbio como âncora para a estabilidade do plano.
No entanto, aos poucos surge e amplia-se um processo que acaba reforçando a apreciação da taxa cambial, pois os preços internos continuam a crescer -apesar de que o fazem a uma velocidade bem mais reduzida-, enquanto o câmbio adota uma tendência de valorização. A moeda brasileira chegou a ser cotada a R$ 0,83 por dólar. As pressões sobre o governo por uma desvalorização do real ganham espaço crescente na mídia, advindas basicamente do lobby do setor exportador.
Os responsáveis pela política econômica fincam pé na manutenção da política cambial, abrindo espaço apenas para a introdução do sistema de bandas, inspirado na chamada "serpente européia".
O expressivo volume de reservas internacionais em poder do Banco Central serve como elemento de garantia do novo sistema, inclusive contra os ataques especulativos que são realizados contra a moeda brasileira.
O mês de março marca uma nova etapa na condução da política cambial. Os sucessivos déficits na balança comercial obrigam o governo a rever sua política para o setor externo. Assim, dentre outras medidas de caráter mais administrativo, passa a ser praticada uma estratégia de desvalorização paulatina do real, de acordo com o ritmo de crescimento dos preços no atacado. Apesar de o governo negar tal fato, o acompanhamento dos dados mensais confirma a flexibilização da âncora cambial.
O fato é que, desde abril deste ano, as variações mensais da cotação do dólar passam a convergir de maneira expressiva em relação às variações mensais apresentadas pelo IPA-DI, um índice de preços por atacado medido pela FGV-RJ.
A intervenção cotidiana do Banco Central no mercado acaba propiciando um patamar para as operações de compra e venda da moeda norte-americana, que incorpora tal desvalorização. Ainda que isso não seja reconhecido oficialmente pelas autoridades econômicas, para não comprometer a continuidade da estabilidade, a medida se revela como bastante acertada para resolver alguns dos problemas enfrentados no setor externo.
Não faz sentido, como pretendem alguns, falar de uma valorização do real utilizando-se como parâmetro a taxa de inflação medida pelos índices de preços ao consumidor, como IPC-Fipe ou INPC.
Quando se fala em comércio internacional, as variáveis são os bens comercializáveis internacionalmente, os chamados "tradables". E, aqui, o bom senso recomenda a comparação com algum índice de preços no atacado. Caso contrário, dever-se-ia desvalorizar o câmbio a cada aumento dos aluguéis residenciais na cidade de São Paulo, ou então quando fossem reajustadas as mensalidades escolares, ou ainda quando subissem outros itens de serviços, como encanador ou cabeleireiro.
Na verdade, o governo identificou o problema de algum atraso na cotação do real e avaliou os impactos que tal fato poderia provocar sobre a balança comercial. Recuperou um pouco a diferença com a minidesvalorização de 6% em março e, desde então, tem evitado acumular outros atrasos, por meio da estratégia "camuflada" de acompanhar a evolução do IPA.
Essa medida serenou um pouco os ânimos do setor exportador, permitiu alguma recuperação positiva no balanço comercial de exportações x importações e evita a desagradável medida de futura desvalorização de maior impacto. No entanto, tal política não foi neutra, nem poderia deixar de ser.
Assim, ao menos ao longo dos últimos seis meses, o governo acabou escondendo no armário a âncora cambial. Fê-lo com sutileza e maestria, ao ponto de que, quando os agentes econômicos se derem conta do fato, talvez ela não seja mais necessária.

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