São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
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FHC ressuscita inquietação de Itamar com juros altos

Para ele, economistas "pensam que estão em Bonn"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O presidente Fernando Henrique Cardoso viveu anteontem alguns momentos de Itamar Franco, o seu antecessor, um obcecado pelos altos juros no Brasil.
Em conversa com o premiê espanhol Felipe González, após o jantar oferecido pelo presidente brasileiro no Palácio da Alvorada, FHC queixou-se de que os economistas "pensam que estão em Bonn".
Era uma alusão à suposição dos economistas, segundo o presidente, de que qualquer mexida nos juros provoca efeito mais ou menos imediato no consumo.
Pela queixa de FHC, os seus próprios ministros acreditam que um ou até meio ponto percentual para cima nos juros inibe o consumo, assim como uma queda nessa faixa estimula as compras.
FHC ainda apontou com o queixo para José Serra (Planejamento), único da área econômica presente ao jantar e cuja imagem não está associada à defesa dos juros, ao contrário de Pedro Malan, da Fazenda.
Para o presidente, o consumo maior ou menor, hoje, depende muito menos dos juros e muito mais da incapacidade de pagar as contas tanto de pessoas físicas quanto jurídicas.
Quando se referiu à capital da Alemanha, FHC estava querendo dizer que lá, como na Europa em geral, a política monetária é de fato um instrumento classicamente usado para conter ou estimular o consumo.
Já no Brasil, não funcionaria assim, segundo o presidente, que dá a entender que não está conseguindo dobrar sua equipe para reduzir mais rapidamente juros que ele próprio já qualificou de "escorchantes".
A queixa, em todo caso, não foi capaz de inibir a euforia que FHC exibia anteontem, em contraste com o nervosismo do dia e da véspera, provocado pelas dificuldades em aprovar a reforma administrativa.
Ao descer da ala residencial para o descomunal salão de visitas do Alvorada, FHC comemorava: "Ganhamos todas hoje".
Referia-se à aprovação pelo Senado da quebra do monopólio do petróleo e à aprovação do novo imposto sobre o cheque.
O repórter da Folha ainda tentou aguar a festa, ponderando que a reforma administrativa parecia emperrada.
"Vamos ganhar essa também", respondeu FHC.
"Olha", devolveu o repórter.
"Esse pessoal de São Paulo não entende nada de Brasília", desdenhou o presidente.
A euforia só aumentou com os elogios que Felipe dedicou a Fernando (como eles se tratam).
No brinde tradicional desse tipo de jantar, FHC arriscou-se a dizer que González era um modelo para "todos nós", seja pela explosão da economia espanhola na sua gestão, seja pela "ação social" por ele adotada.
Nem a mais leve menção à crise que acossa Felipe González (ver texto na página 2-12), como manda a boa norma diplomática.
González devolveu o elogio com uma aposta: a de que a combinação entre o "feliz momento" que o Brasil vive e o fato de ser presidido por Fernando Henrique dará resultados "explosivamente positivos".

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