São Paulo, sábado, 21 de outubro de 1995
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Sobre as reservas cambiais e a dívida pública interna

JOSÉ W. ROSSI

Conforme é sabido, se um país tem elevado estoque da dívida externa, a resultante sobrecarga dos gastos com juros exige um equivalente superávit comercial, para que a dívida não cresça ainda mais. O Brasil tem tido sistematicamente déficits anuais na conta externa de serviços (inclusive os juros da dívida) em torno de US$ 15 bilhões.
O superávit comercial que isso requer tem de ser coberto com o superávit nas contas públicas, a emissão de moeda e o endividamento interno do governo.
No primeiro caso porque, para ter exportações maiores que importações, é preciso aumentar a poupança interna, que é obtida, por exemplo, com a arrecadação maior do que o gasto do governo (isto é, consome-se menos internamente para que as sobras possam ser exportadas).
Quanto à emissão de moeda e ao endividamento, a sequência de eventos é como se segue. Os exportadores recebem do Banco Central reais pelos dólares das suas exportações. Para não estourar as metas monetárias, o Banco Central é obrigado, então, a vender títulos do governo -vale dizer, endivida-se internamente.
O número que mostramos acima dá bem uma idéia da dimensão do problema de gerenciamento interno da economia causado pela dívida externa.
Como as contas públicas são quase sempre deficitárias, sobrecarregam-se os outros dois componentes da equação que acabamos de descrever -no caso, a emissão de moeda e o endividamento interno do governo, com óbvias implicações, pois, para a inflação e as taxas de juros internas.
Note-se que os problemas acima ocorrem mesmo que não haja nenhum aumento nas reservas. Com a acumulação de reservas (via superávit no balanço em transações correntes ou entrada de capitais especulativos) tem-se, além do problema de gerenciamento interno da política econômica, um custo adicional, que é dado pela diferença entre a taxa de juros obtida na aplicação das reservas (não mais do que 5% ao ano) e a taxa de juros paga sobre a dívida pública interna (cerca de 30% ao ano).
É, conforme colocado por um colega, como se alguém tomasse emprestado pelo cartão de crédito para aplicar na poupança. Longe, pois, de ser um bom negócio.
É fácil ver, pois, os problemas que o déficit em transações correntes de US$ 20 bilhões previsto para este ano deve trazer ao país. Em condições normais, isso causaria um aumento equivalente no endividamento externo ou redução nas reservas cambiais. Como se pretende usar os capitais especulativos (atraídos pelas altas taxas de juros internas) para cobrir esse déficit, tem-se a sensação de que o problema foi resolvido.
Há, todavia, uma distinção a ser feita entre as reservas obtidas pelo saldo positivo no balanço em transações correntes e aquelas obtidas pela entrada de capitais especulativos. No primeiro caso, as reservas foram ganhas graças ao esforço produtivo da nação, que tem sobre elas, então, domínio pleno.
Já no segundo as reservas estão, por assim dizer, sob a guarda temporária do Banco Central, pois pertencem, de fato, a cidadãos estrangeiros que podem querer sacá-las a qualquer momento, conforme a lição mexicana.
Dessa forma, dos quase US$ 50 bilhões em reservas hoje nos cofres do Banco Central (ou no BIS -Bank of International Settlements), o que conta mesmo é a parte controlável. O discurso das autoridades econômicas ignora, em geral, essa distinção.

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