São Paulo, sábado, 21 de outubro de 1995
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No ventre da baleia

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Volto ao assunto das colunas anteriores. Em discussão no Congresso, o tema da estabilidade transformou-se na besta negra nacional como se os funcionários fossem, coletivamente, o Jonas que merece ser jogado ao mar.
Há um exemplo que tem analogia com a estabilidade. Até 1964 algumas classes tinham o privilégio de serem isentas do Imposto de Renda. Lembro de duas delas: a dos jornalistas e a dos magistrados. Até 1965, aproximadamente, eu não pagava aquele imposto: era legalmente isento.
Uma das boas medidas da dupla Bulhões-Campos foi a de acabar com esse inexplicável privilégio. Passamos a pagar o tal imposto como qualquer outro cidadão de qualquer outra classe. Mas com um detalhe: sem retroatividade. Aboliram a isenção, mas não cobraram impostos atrasados. Nem foi por conta de um direito adquirido -que não era o caso. Apenas pelo bom senso de não fazer a lei retroagir.
No caso do fim da estabilidade, que equivale ao fim da isenção do Imposto de Renda para determinadas classes, a analogia deve prevalecer. Assim como não fora eu quem voluntariamente me isentara do fisco em causa própria, assim também não foram os funcionários públicos que se autoproclamaram estáveis. É a regra do jogo.
A massa de funcionários que tanto infelicita os governos não é culpada pela voracidade de cargos públicos daqueles que chegam ao poder. Se o governo angelical de FHC deseja acabar com a pletora, a primeira correção a tomar é ser correto e respeitar a regra do jogo até aqui. De agora em diante só nomear por concurso e absoluta necessidade. Nunca para pagar serviços eleitorais e compromissos de clã.
A experiência mostra que não adianta atirar cargas ao mar instintivamente, por desespero ou sobrevivência fisiológica. Collor demitiu muita gente, os Atos Institucionais também. Os demitidos que não morreram voltaram ao trabalho e ganharam indenizações. De nada adianta jogar o profeta Jonas ao mar. Haverá sempre uma baleia que o devolverá à praia.

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