São Paulo, sábado, 21 de outubro de 1995
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O milagre da santa

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Menino, fui religioso. Cheguei mesmo a cantar no coro mirim da igreja. Com a idade, bateu-me a razão -um santo remédio no combate à fé doentia. Hoje, graças a Deus, sou 99% ateu.
Apenas 1% de mim ainda espera pela comprovação da existência do Todo Poderoso. Mas, devo admitir, impressionou-me nos últimos dias o poderio de Nossa Senhora.
Espancada na TV por um bispo da Universal, a mãe de Cristo operou um milagre: fez renascer a Igreja Católica. Digo renascer porque agia como defunta a religião de Roma.
Nada parecia arrancar a Igreja Católica de seu sono. Os fiéis escorriam-lhe do templo como água por entre os dedos. E o exército do papa, inerte, apenas observava a lenta e melancólica debandada.
A seita de Edir Macedo estava, por assim dizer, como o diabo gosta. Ao chutar a santa, porém, o pé do discípulo da Universal atingiu mais do que uma simples imagem. Feriu o orgulho católico.
Pior: ao esmurrar a padroeira do Brasil ele mirou os punhos em direção à própria Universal. Aliás, a acreditar-se em milagre, não se deve excluir a hipótese de uma trama diabólica.
O tal Von Helder bem pode ser um agente da Virgem Santíssima infiltrado na cúpula da igreja de Edir Macedo. Sua ação foi fulminante.
Preocupada com o humor dos deuses do mercado, que pareciam sorrir em excesso para a Record, a Globo viu nos chutes à santa matéria-prima fantástica. Com regularidade de badalo de sino a voz grave de Cid Moreira martela o episódio há dias.
Macedo apressou-se em pedir desculpas. Não era para menos. Ao prejuízo espiritual somaram-se os danos monetários. A ação de seu suposto aliado afugentou anunciantes da Record.
Mas a Igreja Católica fez ouvidos moucos para o gesto do bispo rival. Ainda que desejassem, os católicos não poderiam oferecer a outra face. Antes terão de recuperar a própria fisionomia.
As manifestações de desagravo à santa são um bom começo. Nada como uma guerra para eriçar o brio da tropa. Mas o soerguimento definitivo depende da modernização da pregação da Igreja. Sem isso, não há santo que ajude.

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