São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Amante de "filme-cabeça" desafia viciado em "trash"

LÚCIA MARTINS; PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os filmes que Ricardo Rodrigues assiste mais de 50 vezes são apenas piadas que Cesar Guirao não ouviria mais de uma vez.
Fã de efeitos especiais e filmes trash (de baixo orçamento, com muita violência e ficção), Rodrigues, 26, ganha a vida fazendo monstros e heróis de resina. Dormiu assistindo "A Lista de Schindler" (Steven Spielberg) e só vê dramas em casa se puder falar com alguém durante a exibição.
O ator Guirao, 29, prefere produções européias, adora o polonês Krzysztof Kieslowski ("A Liberdade é Azul") e nunca viu os filmes da trilogia Guerra nas Estrelas (de George Lucas). Para ele, cinema americano é "pasteurizado como Big Mac, feito para vender". "Eu adoro Big Mac", rebate Rodrigues.
Os dois se encontraram na última quinta-feira, a convite da Folha, para discutir cinema. A seguir, trechos da conversa.
(Lúcia Martins e Patricia Decia)

Rodrigues - Como você consegue não dormir assistindo
"A Lista de Schindler"?
Guirao - É só você ir pelo conteúdo, pela história. "A Lista..." é um filme especial por retratar esse período negro da história.
Rodrigues - Até gosto desse tipo de filme. Só que não consigo ir ao cinema para assistir. É falta de hábito. Preciso de alguém para comentar...
Guirao - Você acha que eles são complicados...
Rodrigues - Não, mas esse tipo de filme prefiro ver em casa. Gosto de ir ao cinema para ver filmes com efeitos especiais. Cinema para mim é adrenalina. E você, gosta de algum filme de terror ou ficção?
Guirao - Não sei se é trash, mas vi "Assassinos por Natureza". É uma outra linha do cinema norte-americano, para uns é trash, para outros, arte. Saí chapado. Achei demais, velocidade de videoclipe e um diretor (Oliver Stone) interessantíssimo.
Rodrigues - O que você achou de "Tomates Verdes Fritos"?
Guirao - É um filme americano bom. Eles fazem muita porcaria e de vez em quando coisa boa. "Tomates..." tem história interessante, atores maravilhosos, mas dentro da estética americana. Porque filme americano tem que vender. É como Big Mac: pasteurizado.
Rodrigues - Concordo, mas eu gosto de Big Mac (risos).
Guirao - Algum filme europeu interessou você?
Rodrigues - Tem o "Não Amarás". Achei fantástico. Gostei da neura do cara. Ele vê aquela garota com a prostituta e se apaixona, mas não sabe se é paixão ou só vontade de transar.
Guirao - Para ver um filme como "Não Amarás", você precisa de alguém para comentar?
Rodrigues - Preciso, para a gente bater papo, porque têm coisas que você não entende.
Guirao - Mas, ao mesmo tempo, filme trash é muito ruim.
Rodrigues - Tem muito filme trash bom, como "Reanimator". Você vê o cara empurrando o outro sem cabeça. As tiradas, o diálogo entre o cientista e o médico são picantes. As bobagens que os caras fazem tornam o filme agradável. É legal ver a coisa malfeita porque você percebe que acabou o dinheiro.
Guirao - Eu não saio da minha casa para ver isso. Preciso que o filme me traga alguma beleza estética ou conteúdo. No cinema americano, todos os atores têm a mesma interpretação. Acho que é pela obrigação de vender. Não há espaço para a criação.
Rodrigues - Em filme de arte, não consigo me envolver sem ter um cara para bater papo.
Guirao - Se você bater papo no cinema em filme de arte, apanha.
Rodrigues - Então eu vou sempre levar uns tapas. Não consigo prestar atenção porque esses filmes não têm ritmo.
Guirao - Mas, no filme de arte, o personagem tem ritmo, o ritmo da vida. Te conta uma história que poderia ser a sua. Se for ver um filme de ação, eu não acredito. Não é verdadeiro, é para vender.
Rodrigues - Eu só vou ao cinema para ver um filme especial, como um "Waterworld". Tem que ter efeito especial.
Guirao - Você gosta da pirotecnia...
Rodrigues - Eu vou me divertir. Não tenho nada contra o cinema de arte, mas não tenho vontade de sair de casa para ver isso. Talvez seja porque minha vida já é um drama. Só trabalho. Então não vou ao cinema para sofrer mais um pouco.
Guirao - Mas acho que você tem um pré-julgamento com os filmes pesados. Se você abrir o jornal e ver história de um escritor tcheco que questiona os valores...
Rodrigues - É isso mesmo. Não vou. Não tenho nada contra os filmes de arte. O problema é que a minha vida é complicada. O meu prazer, o meu tempo de diversão é ir ao cinema. Então tenho vontade de me divertir. Não vou ao cinema para sofrer.

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